Vingança a Sangue-Frio

(Carla ScalaEjcveS) #1

Harry descalçou-se e correu agachado pelo chão seco e estalado que outrora
fora um relvado. Chegou junto da casa, sentou-se de costas viradas contra a
parede debaixo da janela e fez um sinal com a mão a Beate. Não a conseguia
ver, mas sabia que ela o via contra a parede branca. Ergueu os olhos para o
céu onde o universo se exibia. Segundos depois, o ténue mas distinto toque de
um telemóvel soou na casa. «In the Hall of the Mountain King.» Peer Gynt. O
homem tinha sentido de humor.


Harry fixou uma das estrelas. Tentou esvaziar a cabeça de todos os outros
pensamentos e focar-se apenas naquilo que tinha a fazer. Não o conseguiu.
Uma vez Aune perguntara-se porque é que nos questionamos se existe vida
alienígena, quando sabemos que existem mais sóis na nossa galáxia do que
grãos de areia numa praia normal? Devíamos antes interrogarmo-nos se
haveria uma hipótese de serem amantes da paz, depois decidirmos se valia a
pena correr o risco de os contactar. Harry apertou a coronha da arma. Estava
naquele momento a colocar-se a mesma pergunta.


O telefone parara de tocar Grieg. Harry esperou. Depois respirou fundo e
avançou em bicos dos pés até à porta. Escutou, mas a única coisa que ouviu
foram grilos. Envolveu a maçaneta da porta com a mão, à espera de que
estivesse fechada.


Estava.
Praguejou. Já decidira anteriormente que se estivesse fechada e perdessem
o elemento surpresa, deviam esperar até ao dia seguinte e comprarem algum
material antes de voltarem. Duvidava que constituísse um problema comprar
duas pistolas decentes num lugar daqueles. Mas também tinha a sensação de
que, dentro em breve, Lev seria informado dos acontecimentos do dia, e eles
não tinham muito tempo.


Saltou quando uma picada lhe atravessou o pé direito. Afastou
automaticamente o pé e olhou para baixo. Sobre a luz ténue das estrelas,
distinguiu uma linha negra que descia pela parede branca. A linha corria
desde a porta, passava pelas escadas onde o pé dele estivera e descia os
degraus, onde o rasto se perdia. Vasculhou o bolso em busca de uma mini-
lanterna Maglite e acendeu-a. Formigas. Grandes, amarelas,
semitransparentes que se formavam em duas colunas – uma das colunas
descia os degraus e a outra entrava por debaixo da porta. Eram obviamente de
uma espécie diferente das formigas negras que havia na Noruega. Era
impossível ver aquilo que estavam a transportar, mas Harry sabia o suficiente
acerca de formigas – amarelas ou não – para perceber que se passava ali
alguma coisa.

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