Público - 14.10.2019

(Barry) #1

20 • Público • Segunda-feira, 14 de Outubro de 2019


LOCAL


Junto ao areeiro de Castelo Ventoso
as populações vivem inquietas face
à proximidade da zona de extracção
dos inertes. Este é um dos raros
locais de Portugal onde se concen-
tram depósitos minerais de caulino
e quartzo, matéria-prima que tem
uma multiplicidade de aplicações,
desde a indústria do vidro aos painéis
fotovoltaicos ou Æbra de vidro para
utilização em barcos, aviões, auto-
móveis. Mas, para as aldeias vizinhas,
a factura é pesada.
Dados publicados em 2016 pela
Direcção-Geral de Energia e Geologia
(DGEG) referem que em Portugal
foram extraídas, naquele ano,
1.178.510 toneladas de areias silicio-
sas. No areeiro de Casal Ventoso, desi-
gnado pela DGEG como mina C-114, a
produção diária de sílica e caulino é
de seis mil toneladas. Localiza-se na
margem esquerda do Rio Sado e
abrange uma mancha de areias com
uma espessura de depósito que varia
entre os 65 e os 83 metros.
A mina C-114 foi concessionada em
2008 à empresa Sifucel — Sílicas, SA,
do grupo Parapedra, sediada em Rio
Maior, e previa uma área de interven-
ção com cerca de 41 hectares. Mas,
em 2 de Agosto de 2013, deu entrada
na DGEG o pedido de alargamento da
área para cerca de 132 hectares. Este
organismo explicou ao PÚBLICO que
a empresa pretende “incluir a conti-
nuação dos depósitos minerais con-
tíguos à concessão e identiÆcados (em
Março de 2012) na sequência do con-
trato de prospecção e pesquisa”.
A Câmara de Alcácer do Sal mani-
festou-se contra o alargamento da
área e esta foi reduzida para os actuais
cerca de 96 hectares.
As movimentações da população e
da autarquia contra a instalação do
areeiro e o seu posterior alargamento
não são de agora. Na acta da reunião
da Assembleia Municipal de Alcácer
do Sal realizada no dia 28 de Abril de


2017 está referido que a população de
Albergaria “tem contestado a proxi-
midade da extracção de areias” quan-
do a área de extracção tem de estar,
segundo a lei em vigor, “pelo menos
a cem metros dos povoados”, o que
não acontece.
Acresce que o Artigo 65.º do Regu-
lamento do Plano Director Municipal
(PDM) de Alcácer do Sal, que regula
os espaços de exploração de recursos
energéticos e geológicos, prevê no
ponto 3 que as novas explorações de
depósitos minerais “devem salvaguar-
dar uma distância mínima de protec-
ção de 500 metros relativamente ao
limite aos perímetros urbanos”. A
DGEG reconhece que, na área da
ampliação, “a distância é inferior,
pelo que terá de ser respeitado aque-
le limite ou emitida pela Assembleia
Municipal de Alcácer do Sal delibera-
ção fundamentada de reconhecimen-
to de interesse público na regulariza-
ção”, o que não aconteceu.
Na reunião da assembleia munici-
pal de 28 de Fevereiro de 2019, a ins-
talação do areeiro de Castelo Ventoso
veio de novo a debate, com o verea-
dor Manuel de Jesus a reportar o teor
de uma reunião que a autarquia man-
teve com a DGEG e o concessionário
da exploração, a empresa Sifucel.
Estas duas últimas entidades solicita-
ram ao município que desse “parecer
favorável” ao projecto de extracção
de areias. A câmara pediu um conjun-
to de explicações sobre o processo “e,
ao analisar tecnicamente, concluiu
que não existiam condições para o
parecer favorável”.
Nos esclarecimentos que a autar-
quia prestou ao PÚBLICO, o impasse
mantém-se. É referido que a instala-
ção do areeiro “não cumpre os requi-
sitos impostos pelo PDM de Alcácer
do Sal”. E diz até desconhecer “se já
existe Estudo de Impacte Ambiental
concluído” para o local de extracção,
acrescentando que tem emitido
“sucessivos pareceres desfavoráveis
ao seu licenciamento, que é da res-
ponsabilidade da DGEG, não tendo
por isso, competência ou responsa-

receosas de que a sua casa vá abaixo,
e já há Æssuras nos muros e paredes
de algumas casas.
Maria José Carolino, com quase 80
anos, partilha as preocupações que
diz serem as das pessoas que residem
em Albergaria do Sado e Foros de
Albergaria: “Os barulhos tiraram-nos
o sossego.” São cerca de 150 pessoas,
na sua esmagadora maioria idosas,
que se sentem impotentes para recla-
mar mais respeito. “Qualquer dia
temos as nossas casas no buraco”,
receia a residente, frisando que de
“nada vale a gente ralhar com eles”
(os que trabalham no areeiro).

Falta de água
A falta de água nos poços é outra das
observações críticas que faz ao resul-
tado da actividade da Sifucel: “Deram
cabo da veia que trazia a água para os
nossos furos e agora nem a temos
para as culturas do arroz”, critica a
moradora em Albergaria do Sado,

Areeiro tira água e sossego


a pequenas povoações de Alcácer


As aldeias de Albergaria do Sado, Foros


de Albergaria e Castelo Ventoso receiam


que as suas casas desapareçam


no enorme buraco aberto para extrair


minerais de sílica e caulino


Ambiente


Carlos Dias


bilidade nesta matéria”.
Nos contactos que o PÚBLICO man-
teve com residentes nas aldeias de
Albergaria do Sado e Foros de Alber-
garia, está patente a má vizinhança
que a extracção de areias provoca. A
família de José Chinita Teixeira enu-
mera as situações anómalas que pas-
sou a transtornar o seu dia-a-dia desde
que começaram a retirar areia em
Castelo Ventoso. A água com que se
regavam as pequenas hortas “está a
desaparecer”, diz a esposa. E até a que
provém dos furos que abastecem a
rede pública da pequena comunidade
“é cada vez menos e deixou de ter
qualidade”. No entanto, no areeiro a
água abunda no local de extracção de
areias. O enorme buraco aberto “já
parece uma praia com um barco no
meio”, diz o vizinho, referindo-se à
draga que extrai de uma profundida-
de cada vez maior a areia. A trepida-
ção provocado por este equipamento
quando aspira areia deixa a pessoas

A água que provém


dos furos que
abastecem a rede

pública da


comunidade


“é cada vez menos
e deixou de ter

qualidade”. No


entanto, no areeiro


a água abunda no
local de extracção

de areias. O


enorme buraco “já


parece uma praia
com um barco no

meio” — a draga

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