Público • Segunda-feira, 14 de Outubro de 2019 • 23
TIAGO PETINGA/LUSA
vernador do Banco de Portugal
do que viria a veriÆcar-se: apenas 492
milhões. Contas feitas: o saldo foi
negativo em 191 milhões, na medida
em que os resgates no ano passado
foram de 683 milhões (acima do pro-
jectado em 655 milhões).
O tema Montepio não desencadeou
apenas um longo debate fora da agen-
da deÆnida para aquele conselho
consultivo. Estava igualmente a emba-
raçar a cúpula do BdP. E desembocou
numa troca de impressões acesa entre
Talone e Elisa Ferreira, como foi rela-
tado ao PÚBLICO por alguns conse-
lheiros, que viram a vice-governado-
ra agastada: “Vocês pretendem que
eu pegue na agulhe e pique a bolha?”
Leia-se: querem que eu rebente com
o grupo? Ao que Talone contrapôs:
“Não é preciso picar, basta encostar
a agulha.” Traduzindo: ameaçar.
A vice-governadora acabou por
interpelar: “Porque é que criticam
tanto e não nos ajudam, por exemplo,
lendo o código do mutualismo que
está em discussão [em 2018] e fazen-
do contributos?” Talone (à frente do
fundo de private equity Magnum Capi-
tal) replicou: “Eu nem gosto de
mutualistas.” E justiÆcou-se com a
experiência na Holanda quando lide-
rou a seguradora Eureko.
‘Somos todos bem-educados’
Então, Elisa Ferreira terá evidenciado
que fora implementada, por pressão
do BdP, entre a AMMG e o Banco
Montepio (BM), um sistema de portas
estanques, de controlos rígidos, para
separar os interesses estritos da acti-
vidade bancária dos da AMMG.
Perante a explicação, Talone, que
conhece bem a matéria, avançou com
um novo argumento de que, “em
Inglaterra, o sistema é muito regulado
e, por mais regulamentos que se
façam, se se Æxarem objectivos e
metas de venda de produtos aos tra-
balhadores, é impossível evitar o mis-
selling [venda enganosa]”. E reforçou
a sugestão: “O tema do Montepio tem
de ser resolvido na origem.” Ou seja:
acabar com a venda de produtos
Ænanceiros (modalidades de capitali-
zação) da mutualista aos balcões do
BM. Outros conselheiros discordavam
dele, dadas as ligações históricas exis-
tentes entre o banco e a mutualista, e
do facto de o banco ter de permane-
cer como um instrumento da recupe-
ração da AMMG.
Mais do que confusão, o que se sen-
tiu numa parte da reunião foi tensão,
como sublinhou um dos presentes:
“Somos todos bem-educados e a con-
versa decorreu sempre dentro das
regras, não me lembro de nenhum
momento de exaltação.” Ainda assim,
“conÆrmo que o Talone fez perguntas
sobre o Montepio, tema de que o con-
selho até hoje não voltou a falar”.
Um outro conselheiro deu a seguin-
te opinião: “Foi pena que o [Francis-
co] Louçã não tivesse participado,
pois ele prepara-se bem e teria con-
tribuído para a discussão, mais até do
que o [Luís] Nazaré, que faz sempre
as perguntas certas mas, às vezes,
anda muito ocupado [...]. Ambos ten-
tam preservar alguma liberdade de
espírito [...].” Pelas descrições, per-
cebe-se que Murteira Nabo “não se
pronunciou grande coisa”, circulava
fora de órbita. No entanto, no BdP há
quem opte por se “fazer de morto”,
Æcando em silêncio. É que confronta-
do pelo PÚBLICO sobre que posição
tomou enquanto Talone, Costa Pinto
e Elisa falavam, um dos conselheiros
que falou com o PÚBLICO, revelou:
“Eu? Não disse nada, ouvi com muita
atenção e tirei notas.”
Por seu turno, confrontada (por
telefone) pelo PÚBLICO, Elisa Ferrei-
ra observou que “não faz sentido
estar a comentar assuntos de um
órgão reservado, onde o diálogo tem
de ser franco e aberto, onde se deve
estar à vontade para falar”. E acres-
centou que “nunca sentiu momentos
de tensão e sempre houve troca de
impressões franca e aberta”. E opi-
nou: “Não vejo onde está a notícia.”
Mas entende-se por que razão Talo-
ne introduziu o tema na discussão. A
missão dos membros do conselho
nomeados pelo Governo é proteger
os interesses do Estado, o que passa
por assegurar a estabilidade do siste-
ma Ænanceiro, logo, garantir a solva-
bilidade do grupo Montepio, que gere
poupanças e reformas futuras de par-
te substancial dos mais de 600 mil
associados (os que subscreveram, por
exemplo, produtos Ænanceiros aos
balcões da CEMG, agora BM, que des-
de 2010 acumula prejuízos com des-
truição de capital mutualista).
Naquela quarta-feira, 28 de Março
de 2018, o tema Montepio ia constar
do cardápio dos órgãos dos media. Ao
Ænal da tarde, os associados da
mutualista iam juntar-se em assem-
bleia geral para aprovar as contas de
- E já era do conhecimento públi-
co que, para evitar ter de assumir
uma situação líquida negativa, o Esta-
do concordara em dar à AMMG um [email protected]
Interrogado pelo PÚBLICO sobre o
teor do conselho consultivo de 28 de
Março de 2018, onde associou o Mon-
tepio a um “esquema Ponzi”, João
Talone mostrou-se surpreendido,
Æcou em silêncio a ouvir as questões.
Não as desmentiu, nem as conÆrmou,
e deu por encerrada a conversa: “Não
posso comentar esses assuntos.”
Por seu turno, também interrogado
sobre a mesma matéria, João Costa
Pinto também não desmentiu, nem
conÆrmou: “Deve compreender que
não posso falar, estou obrigado a sigi-
lo, e já nem faço parte do conselho.”
Aquele, aliás, foi último conselho con-
sultivo em que João Costa Pinto par-
ticipou, tendo entretanto assumido
funções como membro do conselho
geral da AMMG desde Março deste
ano, pela lista de Ribeiro Mendes,
adversário de Tomás Correia.
Na sala onde o conselho consultivo
se reuniu, a 28 de Março de 2018,
apresentaram-se o governador (Car-
los Costa) e os dois vice-governadores
(Elisa Ferreira e Máximo dos Santos),
a administradora Ana Paula Serra, o
presidente da comissão de auditoria
(Costa Pinto), os anteriores governa-
dores António Sousa e Tavares Morei-
ra (Vítor Constâncio estava no BCE),
a presidente do IGCP, Cristina Casali-
nho, o delegado do governo dos Aço-
res, Roberto Amaral, o presidente da
Associação Portuguesa de Bancos
(APB), Fernando Faria de Oliveira, e
ainda João Talone e Murteira Nabo. O
retrato da reunião Æca fechado com
José Queiró (ex-responsável pelo
Departamento de Serviços Jurídicos),
o secretário-geral que regista o que se
passa, e com Helena Adegas, directo-
ra do BdP, que ali está para clariÆcar
as dúvidas, entre outros.
A troca de opiniões acesa entre
conselheiros e a cúpula do BdP pode-
rá, aÆnal, ter tido desenvolvimentos.
É que no dia 19 de Abril de 2018, em
entrevista ao Negócios , o ministro das
Finanças, Mário Centeno, disse: “Se
a AMMG precisar, o Governo ‘deve
estar disponível’ para a ajudar.” Ano
e meio depois, a expectativa seria que
as autoridades tivessem, entretanto,
enfrentado a realidade. Pelo menos,
ao nível da governação do grupo Mon-
tepio, a instabilidade continua desta-
cada na agenda mediática. A próxima
reunião do conselho consultivo do
BdP está marcada para a segunda
quinzena de Novembro.
crédito Æscal de 805 milhões de euros,
mas o impacto da medida só seria
sentido a posteriori (quando os lucros
futuros Æcaram sujeitos a pagamento
de impostos, dado que até ali estavam
isentos).
Actas e minutas
Assim que terminou o conselho con-
sultivo, o vice-governador Luís Máxi-
mo dos Santos encaminhou-se para
Talone, que estava acompanhado de
outro conselheiro, para lhe transmi-
tir: “Fez muito bem em tocar no
assunto [Montepio].” Elisa Ferreira
foi também ter com Talone, e com
Carlos Costa a assistir, sugeriu-lhe:
“Porque é que não dá uma palavrinha
ao ministro das Finanças sobre o que
aqui disse?” O gestor de fundos não
se considerava pombo-correio e cla-
riÆcou que o faria, sim, mas com a
condição de o BdP incluir a matéria
sensível na acta da reunião, apesar de
não constar da agenda. Na qualidade
de secretário-geral do BdP, José Quei-
ró participava no conselho e tirava
apontamentos.
Quando Francisco Louçã chegou
em 2017 ao BdP, veriÆcou que o con-
selho consultivo, órgão de gestão
formal, não produzia actas e propôs
que passasse a tê-las. Perante as resis-
tências levantadas ao mais alto nível,
apenas conseguiu que se escrevessem
minutas, com menção às presenças
e à agenda oÆcial da reunião. E quan-
do a minuta do conselho consultivo
de 28 de Março de 2018 chegou a Talo-
ne, este constatou que o BdP manti-
nha o ritual de negação que frequen-
temente encarna, pois no documen-
to o tema Montepio foi suprimido.
492
milhões de euros foi o valor das
subscrições de dívida em 2018,
longe do patamar programado,
que era de 1,07 mil milhões
de euros. Os resgates
ascenderam a 683 milhões
Não faz sentido
estar a comentar
assuntos de um
órgão reservado,
onde o diálogo tem
de ser franco e
aberto, onde se
deve estar à
vontade para falar
Elisa Ferreira