A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Dera com esse escrito Silva Teles, um dos secretários particulares do chefe
do Governo que, no dia 5, notara entre a correspondência da véspera chegada
ao forte, uma carta entregue em mão pelo calista. Que rabiscara ele no papel?
Queria simplesmente saber do estado de saúde de Salazar na sequência da
queda que presenciara.
Ao subir à pequena sala de trabalho do ditador para efetuar o rotineiro
despacho, Silva Teles notara um certo odor a bálsamo. «Como está Senhor
Presidente? Acabo de saber por uma carta do Senhor Hilário que o Senhor
Presidente sofreu uma queda anteontem?!», indaga o secretário. «Ah! O Senhor
Hilário escreveu-me?», reage um surpreendido Salazar. «É verdade. Ia a sentar-
me numa cadeira de repouso que para aí está, ela não se encontrava bem
encartada e caí desamparado, com a nuca no chão. Na altura, pareceu-me coisa
de pouca monta. Mas agora sinto umas dorezitas no corpo e até estou a pôr uns
unguentos, a ver se me passam», confessa. No dia seguinte, escreve a Augusto
Hilário, agradecendo «a amabilidade» da carta. «Parece não ter havido
consequências da queda, além de dores pelo corpo», remata.
Havendo contradições entre as duas narrativas sobre o sucedido, admite-se
como possível que Salazar tenha caído por mais do que uma vez no espaço de
poucos dias. Supõe-se até que o anedótico das situações poderia ter levado a
um secretismo mais cuidado sobretudo no caso relatado pelo barbeiro. De
resto, a propensão do ditador para quedas nem sequer era tabu. «Salazar vinha
sofrendo sucessivos delíquios, escondidos do público cuidadosamente por sua
ordem e com a rigorosa colaboração da dona Maria que, por seu lado, também
vivia quase no mesmo estado», notara o secretário-geral da Assembleia
Nacional, Costa Brochado. Mesmo entre a família do governante, «havia a
convicção de que ele sofrera, muito antes, em Lisboa, uma queda grave, na
banheira, batendo fortemente com a cabeça nos rebordos».
Rosália não se recorda de tal, mas havia aspetos da «vida íntima» do ditador
que eram sonegados às empregadas. Já as dores de cabeça e as enxaquecas
vinham sendo notadas entre a criadagem.


Nesse correr inicial de agosto, Salazar não dá sinais de qualquer perturbação
nas reuniões e encontros que vai mantendo. Anda ocupado com o «desenho»
da futura remodelação governamental e nem Américo Tomás, Presidente da
República, pressente alguma anomalia nas conversas a dois, na sua residência
de verão, em Cascais.

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