A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Castanheira, ensimesmada e ciumenta. «Não me leve a mal que algum dia me
encontre casado. Posso jurar-lhe que foi sem querer e sem saber», diz-lhe,
esgrimindo o humor com deleite. Na mesma senda, Salazar admitira que até já
pensara responder aos boatos com a publicação de um anúncio nos jornais,
neste tom: «Fulano de tal participa ao público em geral e às pessoas das suas
relações que se encontra inteiramente livre, sem noiva, sem namorada, sem flirt
ou qualquer entendimento, e que para a todos poupar os seus cuidados que
tanto o penhoram, fará participação em sentido contrário quando esta situação
se encontre por qualquer motivo alterada.»
Quando Glória Castanheira insiste na mortificação do ciúme e do despeito,
referindo-se a uma jovem por quem o professor andaria de beiço caído, Salazar
concede-se outros atrevimentos: «É uma menina muito nova a avaliar pela
altura das saias (quero dizer, agora pela altura das saias também não se pode já
avaliar coisa nenhuma). Mas, enfim, deve ter 15 anos, acho que educada sem
Deus nem religião.»
Por fim, mais sério, reconhecerá que precisava casar-se, sim, mas «não tenho
noiva nem dinheiro, duas coisas a meu ver indispensáveis». Quanto aos
enredos tecidos a pretexto das suas aventuras, lamenta, irónico, não poder dar
informações seguras, pois «com o muito que tenho de fazer, não me é possível
seguir as variações da opinião pública a respeito do meu casamento.»
Salazar gere com mestria, delicadeza e sarcasmo, as afinidades e exaltações
do coração na zona geográfica em que se movimenta, de Coimbra a Santa
Comba, passando pela Figueira da Foz. Os nomes sucedem-se: Alda, Palmira,
Alice, Ernestina, Conceição, Maria Helena, Maria Laura, raparigas de famílias
tradicionais da região, de quem se torna confidente, conselheiro e amigo
colorido.
Com elas troca correspondência, permitindo-se abordar os seus problemas e
segredos mais privados. Em público, não se coíbe de acompanhá-las a festas,
saraus e concertos, obviamente dentro de um quadro de candura e placidez.
Elas adoravam-no.
Salazar era, nos anos 1920, uma figura já falada no País, exercendo fascínios
vários no imaginário feminino.
Conquistara uma aura de rebeldia e galhardia de cunho católico conservador
pelos discursos pronunciados em conferências e posições assumidas nos artigos
do jornal O Imparcial . Mas era ao mesmo tempo de uma sensibilidade muito
delicada, por vezes melosa, que derretia as jovens que dele se aproximavam.
A fama e prestígio intelectual davam o estatuto que compunha o perfil bem-

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