— Só um conselho amigável.
— Ainda não somos exatamente amigos.
Keller encolheu os ombros quadrados para demonstrar indiferença,
mágoa ou algo entre um sentimento e outro.
— O que você fez com o talismã que ela lhe deu? — perguntou ele
depois de um silêncio amuado.
Gabriel deu um tapinha no peito para indicar que o talismã, idêntico
ao de Keller, estava pendurado no pescoço.
— Se você não acredita — indagou Keller por que o está usando?
— Eu gosto do modo como ele valoriza as minhas roupas.
— O que quer que você faça, não o tire: ele mantém o mal à
distância.
— Eu gostaria de manter à distância algumas pessoas na minha vida.
— Como Ari Shamron?
— Como você sabe de Shamron? — perguntou Gabriel, ocultando
sua surpresa.
— Eu o conheci quando fui treinar em Israel. Além do mais, todo
mundo no negócio sabe de Shamron. E todo mundo sabe que ele queria que
você fosse c chefe, em vez de Uzi Navot.
— Você não devia acreditar em tudo que lê nos jornais, Keller.
— Eu tenho boas fontes. E elas me disseram que o emprego era seu,
mas você o recusou.
— Talvez você ache difícil de acreditar — disse Gabriel, com o olhar
cansado voltado para o para-brisa respingado de chuva —, mas não estou a
fim de ter um papo nostálgico com você.
— Eu só estava tentando matar tempo.
— Talvez pudéssemos aproveitar um silêncio confortável.
— Outra piada?
— Você entenderia se fosse judeu.
— Tecnicamente eu sou judeu.
— Quem você prefere: Puccini ou Wagner?
— Wagner, claro.
— Então não tem como você ser judeu.
Keller acendeu um cigarro e sacudiu o fósforo para apagá-lo. Uma
rajada de vento jogou a chuva no para-brisa, dificultando a visão do porto.
Gabriel baixou a sua janela alguns centímetros para dar vazão à fumaça de
Keller.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1