A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

Ela não tinha tocado na comida — nenhum deles tinha —, então, antes de ir em frente,
Gabriel insistiu que comessem. Ele não seguiu o próprio conselho, pois, a bem da
verdade, nunca fora muito de almoçar. Por isso, enquanto os outros aproveitavam o
bufê, cortesia de um fornecedor de Tel Aviv aprovado pelo Escritório, ele falou sobre
sua infância no vale — as incursões árabes nos morros da Cisjordânia, os contra-ataques
israelenses, a Guerra dos Seis Dias, que levou embora o pai dele, a Guerra do Yom
Kippur, que levou embora sua crença de que Israel era invulnerável. A geração de
fundadores acreditava que um Estado judeu no território histórico da Palestina traria
progresso e estabilidade ao Oriente Médio. Mas, por todo o Israel, nos estados de
fronteira e nas periferias árabes, a raiva e o ressentimento continuaram queimando muito
depois de o Estado começar a existir, e as sociedades ficaram estagnadas sob o punho de
monarcas e ditadores. Enquanto o resto do mundo avançava, os árabes, a despeito de
sua enorme riqueza petrolífera, retrocediam. Rádios árabes xingavam os judeus enquanto
crianças árabes ficavam descalças e famintas. Jornais árabes publicavam libelos
sangrentos, que poucos árabes eram capazes de ler. Governantes árabes ficavam mais
ricos enquanto o povo árabe só tinha sua humilhação e seu ressentimento — e o islã.
— Devo ser culpado, de alguma forma, por essas disfunções? — perguntou Gabriel
para ninguém em particular, e ninguém respondeu. — Isso aconteceu porque eu vivia
aqui nesse vale? Eles me odeiam porque eu o drenei e matei os mosquitos e o fiz
florescer? Se eu não estivesse aqui, os árabes seriam livres, prósperos e estáveis?
Por um breve momento, continuou ele, parecia que a paz realmente seria possível.
Houve um aperto de mãos histórico no Gramado Sul da Casa Branca. Arafat se
estabeleceu em Ramallah, os israelenses de repente ficaram tranquilos. Mas, enquanto
isso, o filho de um bilionário saudita da construção estava erigindo uma organização
chamada al-Qaeda, ou “a Base”. Apesar de todo o seu fervor islâmico, a criação de
Osama bin Laden era um empreendimento altamente burocrático. Suas normas e
regulamentações trabalhistas lembravam as de qualquer empresa moderna. Regiam desde
dias de férias até benefícios médicos, viagens aéreas e financiamentos para a compra de
móveis. Havia até mesmo regras para assistência a pessoas com deficiência e um
processo por meio do qual o contrato de um membro podia ser terminado. Os que
desejavam entrar em um dos campos de treinamento afegãos de Bin Laden tinham de
preencher um longo questionário. Nenhum canto da vida de um potencial recruta
deixava de ser escrutinizado.
— Mas o ISIS é diferente. Eles têm, sim, seu questionário, mas não chega perto de
ser tão completo quanto o da al-Qaeda. E por bons motivos. Veja, Natalie, um califado
sem pessoas não é um califado. É um pedaço de deserto sem ninguém entre Aleppo e o
Triângulo Sunita do Iraque — ele pausou. Então, disse pela segunda vez: — E é aí que
você entra.

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