ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

Berlim
Shamron se registrou no Adlon como Rudolf Heller, um de seus disfarces europeus
favoritos. Gabriel queria evitar as câmeras de segurança do famoso e antigo hotel, assim eles
contornaram o Tiergarten. O ar tinha esfriado subitamente e o vento soprava por entre as
colunas do Portão de Brandemburgo. Shamron estava usando um sobretudo de caxemira, um
chapéu fedora e óculos escuros que o faziam parecer um empresário que ganha dinheiro de
formas obscuras e nunca perde nas cartas. Ele parou diante do novo memorial do Holocausto
de Berlim, uma paisagem austera de blocos cinzentos retangulares, e franziu a testa,
consternado.
— Parecem contêineres prestes a serem colocados num navio de carga.
— O arquiteto queria criar uma atmosfera de desconforto e confusão. A idéia é
representar o extermínio metódico de milhões em meio ao caos da guerra.
— É isso que você vê?
— Eu considero um milagre haver um memorial desses aqui. Eles poderiam ter
escondido numa cidade do interior. Mas o construíram no coração de uma Berlim unificada,
bem ao lado do Portão de Brandemburgo.
— Você dá crédito demais para eles, filho. Depois da guerra, todos fingiram que não
tinham reparado em seus vizinhos desaparecendo no meio da noite. A Alemanha e o resto do
mundo só compreenderam de fato o horror do Holocausto quando capturamos o homem que
trabalhava ali.
Ele apontou para o outro lado do Tiergarten, na direção da Kurfürstenstrasse, onde
ficava o prédio imponente que sediara a sociedade judaica de assistência mútua e servira de
quartel-general de Adolf Eichmann. Mas os olhos de Gabriel ainda estavam fixos nas pedras
do memorial.
— Você deveria pôr tudo no papel. — Ele fez uma pausa e encarou Shamron. — Antes
que seja tarde demais.
— Eu não pretendo ir a lugar nenhum.
— Nem você vai viver para sempre, Ari. Você devia passar mais tempo com uma
caneta na mão.
— Eu sempre achei as autobiografias de espiões uma leitura tediosa. Além do mais,
que bem isso faria?
— Lembraria ao mundo por que vivemos em Israel, e não na Alemanha ou na Polônia.
— O mundo não se importa — retrucou Shamron, com um aceno de desdém. — E o
Holocausto não é a única razão pela qual Israel é nosso lar. Nós estamos lá porque era nossa
terra no começo de tudo. Pertencemos a ela.
— Alguns de nossos amigos já não têm mais tanta certeza.
— Isso porque os palestinos e seus aliados conseguiram convencer boa parte do mundo
de que nos apropriamos de um território árabe. Eles fingem que os antigos reinos de Israel são
um mito, que o Templo de Jerusalém não é nada além de uma história da Bíblia.
— Você parece Eli falando.
Shamron deu um breve sorriso.

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