Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

de viagem que, afinal de contas, tem os mesmos interesses.
E assim, estimulado por Carter, Shamron ofereceu-se para ser o
animador do serão. Durante algum tempo, ele desempenhou o papel
esperado. Contou histórias de travessias noturnas em terras hostis; de
segredos roubados e inimigos vencidos; dos fiascos e calamidades que
acompanham qualquer carreira, especialmente uma tão longa e volátil
como a de Shamron. Carter, encantado, pousou o garfo e aqueceu as mãos
no fogo de Shamron. Gabriel observou o encontro em silêncio, do lado
oposto da mesa. Ele sabia que estava a testemunhar um recrutamento, um
recrutamento perfeito, Shamron sempre dizia: a sedução perfeita está no
coração. Começa com um pouco de interesse, a confissão de sentimentos
que era melhor manter em segredo. Apenas quando o terreno estiver
minuciosamente lavrado é que se coloca a semente da traição.
Shamron, sobre a quente tarte de maçã frita e café, começou a falar,
não sobre os seus abusos, mas sobre si próprio: a sua infância na Polônia; a
ferroada da violência antissemita da Polônia; as nuvens de tempestade que
se formaram junto à fronteira com a Alemanha nazista.
— Em 1936, a minha mãe e o meu pai decidiram que eu iria
abandonar a Polônia e partir para a Palestina — disse Shamron. — Eles
ficariam para trás, com as minhas duas irmãs mais velhas, e esperariam
para ver se as coisas melhoravam. Como muitos outros, eles esperaram
demasiado tempo. Em Setembro de 1939, ouvimos na rádio que os alemães
tinham invadido a Polônia. Eu sabia que não voltaria a ver a minha família.
Shamron sentou-se em silêncio por um momento. As suas mãos,
quando acendeu o cigarro, tremiam ligeiramente. A sua colheita tinha sido
semeada. A sua exigência, embora nunca verbalizada, era clara. Ele não iria
sair desta casa sem Erich Radek no bolso, e Adrian Carter ia ajudá-lo.


QUANDO REGRESSARAM À sala de estar para a sessão da noite, um
leitor de fitas estava na mesinha de apoio em frente ao sofá. Carter, de volta
à sua poltrona junto à lareira, carregou tabaco inglês no fornilho do
cachimbo. Acendeu um fósforo e, com o tubo entre os dentes, acenou na
direção do leitor e pediu a Gabriel que fizesse as honras. Gabriel carregou
no botão de PLAY. Dois homens começaram uma conversa em alemão, um
deles com o sotaque de um suíço de Zurique, o outro um vienense. Gabriel
conhecia a voz do homem de Viena. Tinha-a escutado uma semana antes,
no Café Central. A voz pertencia a Erich Radek.
— Segundo registros desta manhã, o valor total da conta sustenta

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