Eu e as Mulheres da Minha Vida

(Carla ScalaEjcveS) #1

não teve outro remédio senão fazer a última coisa que deveria fazer nestas circunstâncias:
telefonar a Graça.
— Desculpa estar a incomodar-te, Graça, mas preciso mesmo de um médico e não sei a quem
é que hei-de ligar. Podes arranjar-me o telefone de alguém?
É claro que podia. Graça tinha uma lista de telefones de médicos, clínicas variadas e até um
ou dois números de urgência facultados pelos cartões de crédito para solicitar uma consulta ao
domicílio em caso de necessidade. Mas essa não era a questão, a questão é que Graça não
estava para aí virada.
— Zé, eu já não sou tua mulher.
— Eu sei, Graça, mas se soubesses como eu me sinto...
— É só uma gripe, não é?
— ... tenho dores no corpo todo, febre, mal me posso mexer.
— Os homens são tão mariquinhas com as doenças.
Sara dissera-lhe o mesmo, mas Zé ficou prudentemente calado.
— Dá-me só um número de telefone, por favor.
— Eu não tenho de tratar de ti, sabes isso? Não vais começar a ligar-me sempre que
precisares de alguma coisa, pois não?
Não, não, não vou.
Graça deu-lhe o número. E ainda estava a pensar na lata que ele tivera em ligar-lhe e já o
telefone tocava novamente. O médico não se encontrava disponível, seria que ela lhe podia dar
outro?
Ao fim de uma semana doente, o apartamento parecia um acampamento. A sala estava do
avesso, o quarto com a cama desfeita, havia embalagens de medicamentos e lenços de papel
sujos espalhados por toda a parte, a cozinha num pandemónio de fim de festa e a retrete a
cheirar a casa de banho pública. Zé contemplou o caos, desolado, e concluiu que precisava de
contratar uma empregada que lhe tomasse conta da casa. Mas onde raio é que iria descobrir uma
empregada? Não era coisa que viesse nas páginas amarelas. Se telefonasse a Graça , pensou,
ela saberia o que fazer para arranjar uma. Mas não se atreveu a tanto.
No banco o trabalho atrasava-se, Zé começava a perder o controlo da situação, mas
curiosamente não estava nada preocupado. Viver sozinho, sentir a falta da mulher e do filho,
saber que não havia ninguém para o ajudar se estivesse em apuros eram experiências novas que
lhe davam uma outra perspectiva da vida. E, definitivamente, não gostava nada disso. Os
momentos que passava com Sara eram agradáveis, mas não eram uma coisa a sério. Quer dizer,
com Sara não havia o jantar pronto à sua espera mesmo que não viesse jantar, nem sequer havia
uma mulher à sua espera, o que era muito mais importante. Ver Quico uma vez por semana não
lhe bastava e sair do trabalho e saber que tinha um apartamento vazio deixava-o perdido,
desorientado, de tal forma que começou a jantar fora regularmente. Nos restaurantes, pelo
menos, estava rodeado de pessoas e não ficava a noite toda a ver programas de televisão que
não lhe interessavam nada ou a olhar para a lareira como um sonâmbulo, enquanto emborcava
balões de uísque puro a pensar que queria a sua antiga vida de volta.
Assim que recuperou da gripe, Zé enviou a Graça um ramo de flores de tamanho extravagante

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