O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Não me admira. Quer dizer, toda a gente sabe isso, mas a dar-lhes
armas?


— Tanto talvez não, mas em tudo o resto, na logística, na organização.
Repare, aqui há um ano o MPLA estava de rastos, sem liderança, sem norte,
sem apoios. Mas, desde que o Agostinho Neto venceu a luta interna pela
liderança do movimento, o MPLA tem sido levado ao colo pelo MFA. O
MPLA recrutou jovens enquadrados por agitadores profissionais, armou o
Poder Popular que lançou o caos e a insegurança por todo o lado, o
radicalismo é apregoado na rádio e o MFA não mexe uma palha para impedir
nada disto. Antes pelo contrário, até ajuda à festa. Até os catangueses, a maior
força militar estrangeira no território, foram recrutados para o MPLA com um
empurrão dos portugueses.


— Dos portugueses, não — corrigiu Nuno. — O Alto-Comissário não
alinha com o MFA.


— O Alto-Comissário bem pode estrebuchar, que quem manda de facto é a
malta do MFA.


— Mas porquê? Porque é que eles não se limitam à neutralidade que se
espera deles e, entretanto, procuram salvaguardar os bens dos portugueses e a
nossa influência política e cultural no país que vai nascer?


O senhor Dantas encolheu os ombros, enxugou a testa, bufou de calor.
— Talvez eles achem que é exactamente isso que estão a fazer — disse. —
Chamam-lhe neutralidade activa. Na prática, o que estão a fazer é a apostar
num vencedor, ajudam-no e, no final, esperam que o seu amigo vença, fique
agradecido e assim Portugal não perca alguma influência política e económica
sobre Angola.


— Mas isso é uma ingenuidade de todo o tamanho! — exclamou Nuno. —
O que eles estão a fazer é a empurrar Angola para debaixo da influência
soviética.


— Concordo, mas a alternativa são os Estados Unidos, e os tipos do MFA
são de esquerda. De qualquer modo, entendem-se melhor com o MPLA. É o
movimento que reúne a burguesia urbana mais evoluída, os quadros com mais
capacidades, os intelectuais. Portanto, é a sua alternativa mais natural.


— A alternativa — disse Nuno, ríspido — deve ser, tem de ser Portugal.
— Quem é que está a ser ingénuo agora? — perguntou o senhor Dantas,
erguendo uma sobrancelha, olhando-o de esguelha. Nuno parou para pensar,
de facto... caiu em si. Depois soltou um suspiro, rendido ao insustentável

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