O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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O Boeing 747 da TAP aterrou na pista do aeroporto da Portela, beneficiando
das excelentes condições de visibilidade de um soalheiro dia primaveril.
Minutos depois, ao descer com André a escada metálica para a pista, em
direcção ao autocarro de transbordo, Regina respirou fundo o ar fresco da
manhã, fortemente impregnado pelo cheiro a combustível queimado do avião.
Cá estou eu outra vez, pensou, animada por uma nostalgia cumprida. Apesar
de todos os desgostos, Regina alegrou-se com a perspectiva de reencontrar os
pais, a irmã, as sobrinhas, até o cunhado que nunca caíra nas suas graças.
Seria bom poder abraçá-los a todos ao fim de seis anos, de apresentar André à
família.


Regina só telefonara à mãe poucos dias antes de partir de Luanda. Voltava a
Lisboa para pôr André a salvo, explicou-lhe. Andou a adiar a chamada até
quase ao último momento, por causa do pai, por se sentir incomodada,
antecipando já uma censura dele, uma resposta torta dela, uma discussão
inevitável. A última coisa que desejava naquela altura tão difícil era um
confronto com o pai. Mas então ele surpreendeu-a com um segundo
telefonema para Luanda, uma hora mais tarde, e disse-lhe tudo o que Regina
não esperava que dissesse.


— A tua mãe contou-me que tencionas regressar — começou ele.
— Sim, pai, tem de ser — respondeu Regina, a medo, à espera de uma
crítica, de uma frase amarga. — Eu não posso continuar cá, com o meu filho.
A situação está muito má e só vai piorar.


— Imagino.
— É verdade, pai, não temos segurança nenhuma.
— Calma, filha, não estou a dizer o contrário. Tenho seguido as notícias e
sei muito bem o que se passa aí.


— Então, sabe como é perigoso.
— Sei — disse — e estou a ligar-te para te dizer que acho muito bem que
regresses o mais depressa possível.


—   Acha?
— Acho. É o mais sensato. E, Regina...
— Sim?
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