ali. O certo é que o avião corria pela pista quase a trezentos quilómetros e a
chuva a bater no pára-brisas era tanta que só se via uma cortina de água e
nada mais. Regina fechou os olhos e rezou. Mesmo assim, a certa altura, o
avião tirou as dezoito rodas do solo e ganhou altitude sem dificuldade
aparente. Uns minutos depois, o 747 rompeu as nuvens baixas e abanou
bastante, efectivamente, mas acabou por estabilizar numa noite estrelada,
difícil de acreditar para quem vinha daquela tempestade desfeita. A chuva
intensa e as chicotadas de vento foram substituídas por uma visibilidade
perfeita, sem turbulência. Atingidos os 13 700 metros de altitude, à
velocidade de cruzeiro de 940 quilómetros por hora, o comandante accionou o
piloto automático, deixou a cabina ao cuidado do co-piloto, levantou-se do
seu lugar e convidou Regina a acompanhá-lo. Abriu a porta da cabina e
desceu à frente dela a escada circular que conduzia à primeira classe.
Apesar de ter à sua disposição quinze tripulantes desocupados, visto que
Regina era a única passageira num avião com 349 lugares vazios, o
comandante não chamou nenhum deles e decidiu tratar pessoalmente dela.
Acomodou-a numa das poltronas rebatíveis, ofereceu-lhe duas almofadas e
um cobertor e perguntou-lhe se desejava comer ou tomar alguma bebida. Ela
recusou. O comandante exibiu o que parecia ser o seu sorriso matador mais
irresistível e insistiu em saber se não havia mesmo nada que pudesse fazer por
ela. Ela fez cara de enjoada, a pensar os homens são todos iguais e aquele,
definitivamente, não era diferente. Mas, disse-lhe, não havia nada que
desejasse naquele momento, obrigada, a não ser dormir a viagem inteira. O
comandante entendeu a mensagem, indicou-lhe o botão para chamar uma
hospedeira em caso de necessidade e retirou-se.
Regina ficou a observar, intrigada, o comandante a afastar-se em passadas
ligeiras e elegantes, até desaparecer escada acima, de volta à cabina de
pilotagem. Achou-o um tipo divertido, talvez demasiado divertido e
demasiado jovem para o que ela esperava de alguém responsável por um
avião daquela envergadura. De facto, era um homem tão bonito e parecia em
tão boa forma que ela ficaria admirada se soubesse que ele já passara dos
quarenta. Sorriu de si para si, lisonjeada, a pensar na desfaçatez do
comandante, a tentar seduzi-la. Evidentemente, ela reparara que, embora ele
não usasse aliança, deixara-se trair pela marca no dedo, que denotava um
claro contraste com a pele bronzeada no resto da mão. Regina supôs que o
cavaleiro andante tivesse regressado recentemente de umas férias na praia
com a sua mulher legítima, tendo sido obrigado a usar a aliança durante esses
dias idílicos. Noutro lugar e noutra época, tu e eu, seria diferente, pensou,