O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

sempre. No passado ela aceitara-o de volta, mas desta vez estava demasiado
ofendida e, disse-lhe, podes ir é para a puta que te pariu, porque, se a
branquela te correu de casa, não é aqui a estúpida que te vai dar cama, foda e
roupa lavada.


O apartamento era um quarto, uma sala, cozinha e casa de banho. Patrício
cedeu o quarto a Regina e ficou a dormir na sala. Jantaram uma lata de atum e
um pacote de batatas fritas. Ele não costumava comer em casa e não havia
nada na dispensa. Mas, se tivessem ido às compras, provavelmente não teriam
tido melhor sorte. Por aqueles dias, Luanda estava à míngua de alimentos e a
população sobrevivia com a ajuda da Cruz Vermelha Internacional. Os
supermercados haviam fechado e os seus proprietários partido, o mesmo
acontecera com os restaurantes e os cafés. Os poucos estabelecimentos que
teimavam em abrir as portas nada tinham para oferecer aos clientes. À cidade
cercada não chegava nem uma batata. De manhã não havia pão, porque
naquela altura os padeiros já se encontravam em Portugal, na África do Sul ou
no Brasil. E não havia leite, porque os criadores de gado se tinham ido
embora e as vacas andavam à solta pelos campos. Mas não fazia mal, Regina
não teria comido de qualquer maneira.


Antes de se deitarem, fumaram um cigarro e Regina massacrou Patrício
com a sua angústia.


— Onde é que ele estará, Patrício, onde é que ele poderá estar?
Ele encolheu os ombros, impotente.
— Não sei — respondeu apenas.
— Pensa bem, se eles o prenderam, têm de o ter aqui na cidade, em algum
lugar.


— Pode estar enfiado numa casa qualquer, num musseque qualquer. É
impossível dizer.


Ela não podia imaginar como aquilo era doloroso para ele. Patrício calava-
se, atrapalhado com a determinação de Regina, obcecada em descobrir a
verdade. Havia alturas em que ele pensava em deitar tudo cá para fora, dizer-
lhe que não valia a pena procurar mais, que era tarde demais. Mas depois
imaginava o choque dela e perdia a coragem. Como é que podia dar-lhe uma
notícia tão brutal? Por outro lado, lembrava-se do aviso da sua fonte, da
ameaça, melhor dizendo, e receava a reacção de Regina. Ele dizia-lhe que o
MPLA lhe matara o marido e ela não ficava calada, não se resignava, haveria

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