evidentemente, não admitiria, nem nos seus mais sinceros pensamentos, que
Regina o intimidava, que preferia concordar sempre com ela a atrever-se a
contrariá-la, por recear alguma reacção intempestiva, alguma inconveniência,
enfim, não admitia que tinha medo de ser humilhado por ela. No limite,
considerava-a muito senhora do seu nariz, de natureza um pouco conflituosa,
digamos que era melhor ter cuidado com ela, só para evitar embaraços. Mas
medo não, isso não, era só o que faltava, ele que vinha do mato, de situações
de combate, tantas vezes com a vida por um fio, homens a morrerem-lhe nos
braços, não tinha medo de mulher nenhuma!
Mas o certo é que, vendo-a assim vulnerável — e que bonita que ela era,
com o seu cabelo apanhado num rabo-de-cavalo, com as formas dos seios
bem delineadas pela camisa entalada nos jeans justos... —, Antero sentiu-se
cheio de confiança, excitado até, e, como que impelido a abraçá-la, a
acarinhá-la, levantou-se do seu lugar, rodeou a secretária e foi para junto dela,
consolá-la com palavras meigas. Nem se lembrou de que Regina era
ligeiramente mais alta do que ele, coisa que também o desconcertava bastante.
Mas o máximo que se atreveu foi a colocar-lhe uma mão amiga sobre o
ombro e a dar-lhe uma inevitável espreitadela ao decote. Talvez se tivesse
entusiasmado, porque, ao senti-lo esfregar-lhe o ombro, Regina parou de
chorar e olhou de lado para a mão impertinente. Ele, percebendo-lhe a velha
atitude pouco contemplativa, retirou-a logo e recuou, deixando-se ficar
encostado à secretária com os braços cruzados, simulando um à-vontade que
voltava a falhar-lhe.
Regina recompôs-se. Ela não era nem metade do que Antero pensava mas,
de facto, não gostava dele e, normalmente, só reprimia uma vontade de o
desconsiderar por respeito à mãe, dona Natércia, e para não criar embaraços a
Nuno. Ficava-se por um tratamento polido, por uma simpatia fria, a meio
caminho entre a cerimónia e a indiferença. Quando estavam juntos, Regina
procurava não se agastar com as opiniões de Antero, embora o tivesse na
conta de um idiota perigoso, com as suas ideias comunistas, com os seus
recalcamentos sociais. Em geral, passava ao lado das conversas políticas, nos
ocasionais serões em casa dos pais de Antero, mas se ele lhe perguntava o que
pensas?, ela respondia penso que só dizes disparates.
Finalmente os papéis invertiam-se e Antero, muito satisfeito, pensava hoje,
já não estás tão altiva, pois não? , mas entretanto foi de uma dedicação
inexcedível, preocupado, disponível para ajudar. Proibiu o ordenança de o
interromper e ouviu-a com toda a atenção. Regina contou-lhe tudo o que sabia