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O segundo encontro não foi tão amigável como o primeiro. Passou-se no
mesmo gabinete austero da Fortaleza e Antero revelou-se o mesmo tartufo,
cheio de delicadezas falsas, mas desta vez não houve uma lágrima ao canto do
olho, não houve a excitante intimidade física, não houve nenhum pedido de
ajuda implorado, nem sinais de fragilidade feminina ou de humildade. Porque
ontem foi ontem e hoje é hoje e, se me lixas com mentiras, eu lixo-te a cabeça
até não saberes o que fazer comigo. O estado de espírito de Regina mudou
porque o avião para Lisboa partia ao fim da tarde, o relógio estava a contar e
ela não tinha tempo a perder com as aldrabices de Antero. E quando ele, todo
animado e cheio de sorrisos, começou a dizer-lhe que já tinha feito montes de
contactos e que as coisas estavam bem encaminhadas e estava muito
optimista, mas precisava de mais um dia ou dois para investigar umas pistas,
Regina perdeu a calma e, num ápice, passou de gatinha dócil a tigre
enfurecido.
— Uma merda é que precisas de mais um dia ou dois — disparou, só a abrir
as hostilidades. — Eu não tenho tempo para os teus joguinhos de bastidores.
Daqui a um dia ou dois o Nuno pode já estar morto.
— Calma, Regina... — pediu Antero, apanhado de surpresa pelo ataque de
fúria dela, muito corado.
— Calma, coisa nenhuma! — O tom ia subindo à medida da sua irritação e
Antero ia-se enterrando na cadeira, desaparecendo atrás da secretária,
fazendo-se pequenino. — Não me digas para ter calma quando o pai do meu
filho está em perigo de vida.
— Eu estou ciente disso — declarou Antero, endireitando-se na cadeira, a
querer recuperar a dignidade.
Eu estou ciente disso?! Regina cravou os olhos nele, estupefacta. Este tipo
não existe... E Antero encorajou-se com o silêncio dela e fez-se homem, a
pensar que a punha na ordem.
— Regina, pára lá de fazer cenas — disse ele, com uma careta agastada. —
Vê se compreendes, eu estou a fazer tudo o que é humanamente possível para
encontrar o Nuno.
— Vê-se — replicou ela, indomável.
Ele abriu a boca, paralisado entre o espanto e a falta de argumentos.
— Regina — rendeu-se —, o que é que tu queres que eu faça?