O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

volta mais larga, de modo a perder altitude e a fazer um voo rasante sobre a
senzala para abanar as asas em sinal de cumprimento. Foi então que reparou
que os homens no solo empunhavam armas e as apontavam ao avião
intrometido. Já arrependido de não ter seguido o seu caminho, Nuno tornou a
puxar violentamente o manche para tirar o DO-27 dali para fora, ao mesmo
tempo que ouvia o impacto dos projécteis a atravessarem a chapa, abrindo
buracos assustadores nas asas e na carlinga, mas, por sorte ou por milagre,
sem acertarem no motor, no hélice ou em qualquer outra parte vital do
aparelho. E Nuno, horrorizado com o significado do crepitar de pipocas a
estalarem contra o metal frágil da fuselagem e das asas, apercebeu-se pela
primeira vez do perigo que corria ao andar por aquelas paragens. Pálido de
medo, derretendo-se em suores gelados e com as pernas e as mãos a tremerem
enquanto efectuava algumas manobras para testar a operacionalidade do
monomotor, só conseguia pensar que aqueles... aqueles... aqueles filhos de
uma grande puta!
tinham acabado de tentar matá-lo e a porra da vida não
valia nada no sertão selvagem.


Com este incidente, a guerra deixou de ser para Nuno uma coisa abstracta e
ganhou uma dimensão completamente nova. Doravante não poderia ter
ilusões, pois naquele extenso território não havia leis nem regras morais nem
coisa nenhuma que o protegessem se um bando de pistoleiros decidisse fazer
tiro ao alvo contra o seu avião.


Os tipos da senzala, concluiu Nuno, tinham confundido o avião com um
aparelho de reconhecimento da Força Aérea. Ou talvez tivessem apenas o
hábito de disparar contra qualquer avião que passasse sobre as suas cabeças
pelo simples facto de ser português e os portugueses serem o inimigo. O DO-
27 que ele pilotava era igualzinho aos utilizados em Angola com fins
militares, embora o seu fosse branco e os outros pintados de camuflado
cinzento e verde-escuro.


O avião estava perfeitamente legal, tinha os papéis todos em ordem e Nuno
não se arriscava a fazer viagens sem plano de voo, nem tão-pouco costumava
desviar-se muito da rota previamente estabelecida. Tratava-se tão-só de uma
questão de segurança, pois, no caso de uma aterragem de emergência, se o
rádio não funcionasse ou se estivesse ferido e incapaz de transmitir um pedido
de socorro, em hipótese alguma seria localizado e resgatado daquele território
inóspito. Morreria de fome, de sede, de insolação, ou seria trucidado pelos
animais selvagens, se não fosse encontrado primeiro por algum grupo de
guerrilheiros que lhe cortassem a cabeça e a espetassem num pau. Enfim, as

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