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A tragédia romântica com as duas mulheres de João Pedro — continuava a não se decidir por uma,
embora já não tivesse nenhuma — teve consequências. A mais dramática era a mais óbvia: tinha de
acordar do seu sonho, já não estava a viver numa dimensão paralela, tal como imaginara que
acontecera naquele tempo todo em que retratara mulheres nuas e se deitara com elas em camas
regadas a champanhe e restos de comida chinesa; ou em estúdios de fotografia com os holofotes
potentes derramando luzes quentes sobre os seus corpos suados. Era necessário admitir, o sonho dele
acabava na sala, ele meio deitado e uma delas de cada lado. No sonho não havia mais nada, não
havia o desfecho que agora já conhecia. No entanto, João Pedro não queria aceitar a realidade,
entrou em negação, e, num último gesto teatral de revolta emocionada, foi comprar a maior tela que
encontrou e voltou a pintar.
As injustiças e as incompreensões, amorosas ou outras, que perturbam o espírito do artista
atormentado, aguçam o génio criativo e são frequentemente responsáveis pela produção de obras-
primas de uma perfeição transcendente. Foi o caso de João Pedro. Ele sentia que fora tratado
injustamente por Cristiane e por Carol.
Haviam passado três semanas, tempo suficiente para desanimar qualquer um. Era portanto claro na
cabeça de João Pedro que elas tinham retomado as suas vidas e não se entretinham apenas a fazer
uma birra com ele. João Pedro compreendeu que Cristiane falara a sério quando lhe disse que, para
ela, ele já não existia. E o silêncio obstinado de Carol era igualmente esclarecedor.
Ao fim desse tempo, tendo ganho o hábito de se sentar na sala a beber um copo de vinho solitário,
deprimido e com pena de si mesmo, João Pedro lembrou-se de repente que, a certa altura naquela
noite bárbara de álcool e drogas tirara uma série de auto-retratos aos três. É verdade! , como é que
não se lembrara daquilo antes? Pôs-se de pé num salto e correu à procura do telemóvel, ansioso por
confirmar que a memória dessa noite enevoada não lhe pregava partidas.
Mas não, era mesmo verdade, abriu a aplicação das fotografias no aparelho e lá estavam eles os
três, nublados e lúbricos, espreitando a câmara com sorrisos descarados. Aquelas imagens deles,
mergulhados numa densa nuvem de fumo, eram ouro para João Pedro, pois não tinha outras de
Cristiane e de Carol.
Passou uma tarde nostálgica em contemplação, a ver as fotografias, embora fossem só três. Saltava
de uma para a outra e para a outra e para a outra, hipnotizado. Por fim, já a noite severa envolvera a
sala, o rosto dele, espelhando só o brilho do visor, iluminou-se com uma ideia extraordinária: a
contemplação não lhe chegava, era preciso imortalizar aquele momento, pois havia nos rostos dos
três uma felicidade indesmentível que provava a injustiça e a insanidade do que acontecera depois e
que as fotografias não faziam prever. Não, era absolutamente imperioso perenizar aquele instante