Público • Quinta-feira, 19 de Setembro de 2019 • 3
rtes Edifícios
Indústria
Outros
32
458,
21,
43,
1,
6,
4,
1017
Fonte: Roteiro para a neutralidade carbónica 2050 / PÚBLICO
79,9 401 480,6 50,15,
Total
mil milhões de euros
tas nota, no entanto, que, “apesar de
um grande empenho que tornou
possível” a deÆnição do roteiro,
“houve um certo esmorecimento”
que é preciso contrariar.
“A urgência do problema devia
tornar o papel das entidades públicas
mais activo e dinamizador para
envolver toda a sociedade portugue-
sa neste esforço”, salienta a profes-
sora da Faculdade de Ciências e Tec-
nologia da Universidade de Coimbra
(UC), que integra o conselho de peri-
tos internacionais para a adaptação
às alterações climáticas, nomeados
pelo comissário europeu Carlos Moe-
das. “Levar estes temas à prática
educativa e ao universo escolar” será
fundamental, “pois os jovens estão
despertos e motivados e devem ser
apoiados nesta transição”, refere a
ex-deputada independente pelo PS.
Considerando um trunfo para Por-
tugal o facto de se ter Elisa Ferreira
como a próxima comissária europeia
com a pasta dos fundos estruturais,
Helena Freitas entende que será pre-
ciso deÆnir o quanto antes “os ins-
trumentos e os incentivos” que
poderão ser usados “para capacitar
as empresas, a administração local e
a sociedade”.
“Hoje, algumas iniciativas podem
parecer onerosas, mas vão trazer
mais crescimento e mais emprego”,
sublinha. “Estamos a falar de mais
eÆciência e mais poupança; as ques-
tões da economia circular, o optimi-
zar dos circuitos das matérias-primas,
tudo isto trará rendimento à econo-
mia”, garante a professora da UC.
“A forma como se está a abordar
esta transição, seja na energia, seja
no sector alimentar ou industrial, é
no sentido de ganhar eÆciência na
produção, promover a inovação e
conseguir novos mercados”, subli-
nha também Júlia Seixas.
Defendendo que deve ser feita
“uma reÇexão” sobre os novos clus-
ters económicos que podem surgir
associados à descarbonização e
“começar a direccionar as políticas
públicas para esse caminho”, a pro-
fessora da UNL, destaca que, “se
queremos levar a sério o tema das
alterações climáticas e da sustenta-
bilidade do planeta, todas as políti-
cas públicas, a económica, a Æscal, a
industrial e a de inovação” têm de ir
no mesmo sentido.
“A neutralidade carbónica não é
passar tudo para renováveis, isso não
chega. É mudar tudo e para isso têm [email protected]
novos negócios; se emprestarem a
outro tipo de projectos, talvez lhes
seja exigida uma almofada de capital
maior.
Orientar os consumidores
é preciso
Mas a origem do dinheiro não é tudo.
Júlia Seixas, professora nas áreas da
Detecção Remota em Ambiente, e
Energia e Alterações Climáticas da
Faculdade de Ciências e Tecnologia
da Universidade Nova de Lisboa
(UNL), coordenou as cinco equipas
que produziram os números e metas
do roteiro para descarbonizar o país.
Explicou ao PÚBLICO que o trabalho
incidiu mais sobre a alteração dos
processos de produção e não tanto
sobre a mudança de hábitos dos por-
tugueses. “Quando se trabalha em
cenários futuros, temos de fazer
assunções, e uma das que Æzemos foi
que os consumidores adoptarão
determinados comportamentos”,
aÆrmou.
Mas isso não quer dizer que o pro-
cesso seja fácil, nem que possa ser
feito sem orientação: “Os consumi-
dores, sobretudos os mais jovens,
estão disponíveis para mudar com-
portamentos e alterar padrões de
consumo, mas a questão que deve
ser colocada é se as pessoas sabem o
que hão-de fazer para contribuir
para a redução das emissões poluen-
tes.” A professora da UNL considera
que se põe “um fardo muito grande
em cima de cada consumidor indivi-
dual, que quase se sente culpado e
deprimido por não estar a fazer
nada, quando na verdade não sabe
bem o que deve fazer”.
As políticas deverão ser dirigidas
para a alteração de comportamen-
tos, “sobretudo no que diz respeito
ao consumo de carne”, e deverão
existir campanhas de sensibilização
que ajudem o consumidor “a entrar
no supermercado e a fazer escolhas
mais sustentáveis” — a questionar-se,
por exemplo, “como é que as man-
gas chegaram cá e se faz sentido
tê-las disponíveis de Janeiro a Dezem-
bro”, exempliÆca.
Dizendo-se “optimista” com a exis-
tência das “linhas orientadoras e
com este desígnio nacional” da des-
carbonização, a bióloga Helena Frei-
de se implicar as políticas públicas
todas”, frisa.
Fazendo a comparação com uma
“orquestra que tem de tocar harmo-
niosamente”, e reconhecendo que é
um trabalho “difícil”, a especialista
em ambiente garante que a tarefa
dos decisores políticos Æcaria simpli-
Æcada se houvesse, “como na Suécia
e no Reino Unido, uma lei do clima”,
uma espécie de matriz que permitis-
se avaliar qualquer decisão ou diplo-
ma à luz dos objectivos do roteiro
para a neutralidade carbónica.
Cortar, sequestrar,
neutralizar
O roteiro baliza as trajectórias que o
país deverá seguir em sectores-chave
como a energia, transportes, resí-
duos e agricultura e Çorestas para
reduzir as emissões de gases com
efeitos de estufa (GEE) e, em simul-
tâneo, reforçar a capacidade de
sequestro de carbono. O objectivo é
que o balanço entre emissões emiti-
das e eliminadas da atmosfera seja
nulo até 2050 (o que equivale a uma
redução de 60 megatoneladas de
CO2).
Com tudo isto, espera-se também
a redução da dependência energéti-
ca face ao exterior (dos cerca de 78%,
para menos de 20%), mais poupança
e maior equilíbrio da balança de
pagamentos.
O documento reconhece como
“vectores principais e complemen-
tares da descarbonização” a redução
da intensidade carbónica da electri-
cidade produzida (Æm do carvão e
do gás natural e primado das reno-
váveis, com uma redução de 99% dos
GEE) e a substituição de combustí-
veis fósseis por electricidade na
generalidade dos sectores, ou seja, a
electriÆcação da economia.
Nos transportes é esperada uma
redução de 98% das emissões, que
chegará aos 96% nos edifícios. Na
indústria o corte será de 73% e, na
agricultura, há um potencial de redu-
ção entre 40% a 60%. No sector dos
resíduos e águas residuais, o espera-
do é que as emissões caiam 75%.
Quanto aos restantes usos de solo,
incluindo Çorestas, espera-se que
aumentem signiÆcativamente os
níveis de sequestro de carbono, mas
para isso é necessário que haja
menos área ardida.
Acompanhe este e outros
trabalhos especiais no âmbito
do consórcio Covering Climate
Now publico.pt/crise-climatica-
agora
comunitários (“o Quadro Financeiro
Plurianual 2021-2027 será uma das
principais fontes de Ænanciamento
para a descarbonização na próxima
década”), mas também com “um
maior envolvimento do sistema
Ænanceiro”, em linha com o que está
a ser trabalhado ao nível da Comis-
são Europeia.
Os bancos (que em Portugal assi-
naram, em Julho, com o executivo,
uma carta de compromisso para o
Ænanciamento sustentável) deverão
passar a incluir as alterações climáti-
cas e os temas ambientais na análise
de risco dos créditos (deixará de fazer
sentido, por exemplo, emprestar
capital a projectos que hoje podem
ser rentáveis, mas que no futuro dei-
xarão de o ser devido às restrições
ambientais e que podem mesmo
resultar em perdas Ænanceiras).
Num futuro próximo até é expec-
tável que os rácios prudenciais (de
solidez) das instituições possam de
alguma forma passar a estar ligados
ao tipo de empréstimos que fazem
— se elegerem projectos verdes, tal-
vez possam ter rácios mais baixos e
Æcam com mais capital liberto para
Os consumidores devem ser
ajudados a entrar no
supermercado e a fazer
escolhas mais sustentáveis
Júlia Seixas
Professora de Ambiente e Energia da UNL