Público • Segunda-feira, 9 de Setembro de 2019 • 29
AGUSTIN MARCARIAN/REUTERS
O Presidente argentino, Mauricio
Macri, perdeu uma aliada de peso
com a saída da francesa Christine
Lagarde da direcção do Fundo Mone-
tário Internacional (FMI) para o Ban-
co Central Europeu. O FMI anuncia-
rá a 15 de Setembro a decisão sobre
se desbloqueia uma nova tranche de
5,4 mil milhões de dólares de ajuda
Ænanceira à Argentina e o chefe de
Estado já disse que cumpriu os requi-
sitos exigidos.
“O FMI tem sido o maior Ænancia-
dor de Macri ao longo do último ano
e claramente que estava à espera que
fosse reeleito para que o neoliberalis-
mo continuasse na Argentina”, disse
ao PÚBLICO Alan Cibils, coordenador
do Departamento de Economia da
Universidade Nacional General Sar-
miento, em Buenos Aires.
Em Junho de 2018, o Presidente
argentino pediu um empréstimo de
57 mil milhões de dólares ao FMI, o
maior na história da organização e
que representa 60% da sua capaci-
dade de empréstimo, para Buenos
Aires poder respeitar os compromis-
sos com os investidores. Lagarde
desempenhou um papel fundamen-
tal nas negociações, aliando-se a
Macri, diz a Bloomberg, para que o
empréstimo fosse concedido — as
conversas telefónicas entre os dois
tornaram-se habituais.
“É claro que Lagarde apostou a sua
reputação neste resgate”, disse Ben-
jamin Gedan, director do Projecto
Argentina no Wilson Center, à Bloom-
berg. Lagarde abandonará oÆcialmen-
te o cargo no FMI a 12 de Setembro.
Em troca do dinheiro, o Fundo
exigiu austeridade Æscal e reformas
estruturais, com Lagarde a dar o seu
toque pessoal: incluiu cláusulas
sobre gastos sociais, para apaziguar
os custos sociais dos cortes, e de pro-
moção de igualdade de género no
acordo. Mas, no fundo, as políticas,
garantiu Cibils, continuam as mes-
mas que se viram na Grécia, em Por-
tugal, na Irlanda e noutros países
intervencionados pela organização:
“Há uma ligeira mudança no discur-
so, mas as políticas são basicamente
as mesmas”.
Saída de Lagarde do FMI deixa Presidente
argentino sem aliada de peso
uma grande crise em mãos, para a
qual contribuiu signiÆcativamente.”
E, escreveu o Financial Times,
nenhum dos objectivos do fundo —
estimular o crescimento económico,
gerar emprego e combater a pobreza
e reduzir a inÇação — foi alcançado
num ano de programa de interven-
ção Ænanceira.
A situação económica deteriorou-
se tanto que a dívida soberana argen-
tina pode voltar a ser alvo de fundos
Ænanceiros especulativos ao contes-
tarem uma eventual reestruturação
nos tribunais e lucrando com indem-
nizações, dado que o Presidente
argentino já disse ao FMI querer
reestruturar a dívida. Os títulos de
dívida a 100 anos estavam no início
desta semana a ser negociados a 38
cêntimos de dólar e, quando chega-
rem aos 30, os fundos voltarão a
estar interessados, diz a Bloomberg.
Mas os títulos estão vinculados a
cláusulas de acção colectiva, impe-
dindo acordos separados da maioria
dos investidores e a repetição do que
aconteceu em 2001, quando a Argen-
tina deixou de pagar a dívida e os
fundos contestaram a decisão de Bue-
nos Aires nos tribunais norte-ameri-
canos. Nesse processo, só se chegou
a acordo 13 anos depois, em 2014.
MARCOS BRINDICCI/REUTERS
Christine Lagarde com Mauricio Macri
nem o FMI nem os investidores pri-
vados querem discutir com um chefe
de Estado que parece condenado a
já não ocupar o cargo para lá de
Dezembro. “Macri é um Presidente
cujo poder se está a dissipar muito
rapidamente, o que faz com que haja
uma enorme incerteza”, explicou
Cibils, referindo existir um “certo
vazio de poder”.
Macri tentou ainda uma aliança de
emergência com Fernández para
ganhar credibilidade nas negociações
e o candidato peronista aceitou.
Porém, acabou por quebrar o pacto
para se distanciar do Presidente. “A
Argentina está em moratória virtual
e oculta”, disse Fernández ao The
Wall Street Journal. “Não há quem
queira comprar dívida argentina e
Os resultados não têm sido, de lon-
ge, os melhores. O desemprego
subiu, a pobreza aumentou (20%), a
dívida escalou (de 52% do PIB, em
2015, para 86% em 2018) e a inÇação
é galopante (50%). “Todos os indica-
dores económicos pioraram e, além
dos lucros dos bancos, não há um
único positivo”, garantiu o econo-
mista argentino, sublinhando que o
Governo continua a “insistir em mais
austeridade” para receber a nova
tranche. Opinião partilhada pelo
consultor de investimento Fernando
Pertin em declarações à Forbes:
“Continuam a fazer a mesma coisa
[as políticas económicas] e os resul-
tados não mudam”.
“Um ano depois do acordo, o país
está na mesma situação de quando
pediu a ajuda do FMI. As coisas não
melhoraram, estão piores: temos 56
mil milhões de dólares adicionais de
dívida”, garantiu Cibils. “O FMI tem
não há quem a possa pagar”, conti-
nuou Fernández, que tem a anteces-
sora de Macri na Presidência, Cristina
Kirchner, como candidata a vice-pre-
sidente, prometendo um “plano para
estimular o consumo” interno sem
pedir autorização ao FMI.
O Presidente tem menos de dois
meses para inverter o rumo da eco-
nomia, mas o mais provável é que
venha a ser relembrado pela crise
económica, ainda que num aspecto
será bem-sucedido onde outros não
foram, explica Malamud: “Terá sido
um fracasso económico — a pobreza
e a inÇação aumentaram — e um
sucesso político, porque nenhum
Presidente que não seja peronista ou
militar conseguiu acabar o mandato
desde 1928”.
A verdade é que se
o Governo envia uma maçã
para a escola, os professores
cortam-na ao meio
Alberto Descalzo
Presidente da Câmara de Ituzaingó
57
mil milhões de dólares foi
quanto o FMI emprestou à
Argentina em 2018, o maior
empréstimo na história da
organização, e que se esfumou
sem resultados [email protected]