O MEDO DE SEGUIR EM FRENTE NOS MANTÉM
PRESOS AO PASSADO
Duas semanas depois de minha mãe morrer, a casa de meu pai pegou fogo. O fogo ficou
restrito ao porão, mas a fumaça e a fuligem se espalharam pela casa. Tudo teve que ser lim-
po, de alto a baixo, por uma equipe contratada pela companhia de seguros. Todos os perten-
ces da minha mãe foram manipulados por totais estranhos. E isso me incomodou.
Eu queria que as coisas permanecessem do jeito que minha mãe as deixara. Queria que
suas roupas ficassem penduradas no closet da forma que ela as havia arrumado, que seus
enfeites de Natal ficassem nas caixas como tinha organizado. Queria um dia, bem mais para a
frente, abrir sua caixa de joias para ver como elas estavam arrumadas. Em vez disso, tudo foi
trocado de lugar. Suas roupas já não tinham mais seu cheiro. Não havia nem como saber qual
foi o último livro que ela estava lendo. Nunca seríamos capazes de lidar com suas coisas em
nosso próprio ritmo.
Alguns anos depois, quando Lincoln morreu, mais uma vez eu quis que as coisas ficas-
sem congeladas no tempo. Senti que, se tivesse estudado o jeito como ele pendurava as coi-
sas no armário ou se pudesse imaginar em qual ordem leria seus livros, conseguiria descobrir
mais sobre ele, mesmo que ele tivesse partido. Achei que se mexessem nas coisas, se as jo-
gassem fora ou as reorganizassem, eu perderia a oportunidade de estudar pistas valiosas que
me dariam uma compreensão maior e mais informações sobre ele.
Era como se eu pudesse mantê-lo comigo se assegurasse que sempre haveria mais coi-
sas a descobrir. Talvez um pedaço de papel contivesse um bilhete ou eu encontrasse uma fo-
to que nunca tivesse visto antes. Queria criar novas memórias que incluíssem Lincoln de al-
guma forma, mesmo que ele não estivesse ali. Tínhamos ficado juntos por seis anos, mas es-
se tempo simplesmente não era o bastante. Eu não estava disposta a abrir mão de nada que
me lembrasse dele. Pensei que o estaria abandonando se precisasse me desfazer de seus
pertences, e não queria isso.
Minhas tentativas de manter tudo congelado no tempo não funcionaram. Obviamente, o
resto do mundo seguiu em frente. E, depois de muitos meses, fui capaz de começar a deixar
de lado meu desejo de manter tudo como se estivesse em uma cápsula do tempo. Aos pou-
cos, eu me convencia de que não havia problema em jogar fora algo com a letra de Lincoln. E
comecei a me livrar das revistas que continuava a receber pelo correio. Mas, tenho que admi-
tir, levou dois anos para eu finalmente jogar fora sua escova de dentes. Sabia que ela não era
mais necessária, mas de alguma forma jogá-la fora parecia uma traição. Era mais confortável
ficar presa ao passado com Lincoln, porque lá minhas memórias dele permaneciam vivas.
Mas não era saudável nem útil ficar estagnada ali, enquanto o resto do mundo mudava e se-
guia adiante. Precisava confiar que seguir em frente não me levaria a esquecer qualquer uma
de minhas lembranças maravilhosas.
Como terapeuta, ajudo as pessoas a trabalharem com seu pensamento racional, mas a
tristeza me trouxe muitos pensamentos irracionais e me levou a querer ficar vivendo no pas-
sado. Porém, se eu ficasse o tempo todo olhando para trás, nunca seria capaz de criar novas
memórias felizes.