Aero Magazine - Edição 308 (2020-01)

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que a Boeing não considerou as
mensagens internas, formalizadas
por e-mail, sugerindo uma falha
grave no MCAS. Em uma das
conversas internas, Mark Fork-
ner, o principal piloto de testes do
programa 737 MAX, descreveu
problemas encontrados por ele na
ativação do MCAS em uma série de
voos em simulador. O piloto ainda
afirmou que, com base no que havia
observado anteriormente, enganou
“sem saber” a FAA.
“A afirmação de que a engenha-
ria ‘enganou’ o órgão regulador é
tudo o que um fabricante não gos-
taria que ocorresse”, avalia Clark.
“Enganar, conscientemente ou não,
é algo muito forte e criminoso.
Pior, a mensagem no e-mail leva a
crer que, mesmo após ser avisada
dos problemas, a Boeing optou por
não avisar a FAA e seus clientes”.

MCAS
Durante o comitê, Wicker disse
que as mensagens divulgadas
refletiam um nível perturbador
de casualidade e insensatez e, por
isso, pareciam corroborar as críti-
cas à Boeing e à FAA. Segundo ela,
as mensagens sugerem que o fa-
bricante tinha informações de que
havia ao menos “ressalvas” sobre
o funcionamento do MCAS. Ao

ser questionado sobre a troca de
mensagens internas, Muilenburg
afirmou acreditar que elas haviam
sido enviadas antes do segundo
acidente.
“A Boeing veio ao meu escri-
tório logo após esses acidentes e
disse que foram o resultado de um
erro do piloto”, revelou o senador
Richard Blumenthal, de Connec-
ticut, enquanto questionava Mui-
lenburg sobre processos internos
da Boeing. “Esses pilotos nunca
tiveram chance. Esses entes que-
ridos nunca tiveram chance. Eles
estavam em caixões voadores como
resultado da decisão da Boeing de
esconder o MCAS dos pilotos”.
“Não culpamos os pilotos. Essa
não é a posição da nossa empresa e
nunca será”, respondeu o executivo.
Todavia, em declarações anterio-
res, Muilenburg havia dito que as
ações dos pilotos seriam um fator
contribuinte dos acidentes.
Ao questionar Muilenburg por
que a direção da Boeing não havia
feito nada mesmo após um e-mail
interno levantar preocupações
sobre o funcionamento do MCAS,
Blumenthal afirmou, em tom fir-
me, que “o acidente não era apenas
evitável, mas foi o resultado de um
padrão de ocultação deliberada”.
“Sabemos que cometemos
erros e entendemos algumas coi-
sas”, respondeu Muilenburg. “Nós
estamos consertando isso”. Em
seguida, o executivo admitiu que,
após o segundo acidente, na Etió-
pia, a empresa soube da relação
entre o funcionamento do MCAS
com as fatalidades. “Quando o
acidente da Ethiopian Airlines
estava ainda sob investigação pelas
autoridades da Etiópia, soubemos
que os dois acidentes envolveram
a ativação repetida de uma função
de software de controle de voo, o
chamado MCAS, que respondeu

a sinais errôneos de um sensor
que mede o ângulo de ataque do
avião”, admitiu o executivo.
Ao ser questionado por que,
mesmo após o primeiro aciden-
te, ninguém da Boeing levantou
preocupações para impedir o
segundo desastre, Muilenburg
afirmou que se soubesse tudo o
que sabia no momento da audiên-
cia, “teria tomado uma decisão
diferente”.

OS PILOTOS
O funcionamento do MCAS foi
questionado por diversas vezes na
audiência, assim como o fato de a
Boeing ter omitido seu funcio-
namento, e sua existência, dos
pilotos. “O conceito original para
o desenvolvimento do MCAS
era uma extensão do sistema de
ajuste de velocidade no 737 NG”,
comentou Muilenburg. “Mais
informações nos manuais de trei-
namento não são necessariamen-
te mais seguros”. De acordo com
o senador Blumenthal, o MCAS
é citado apenas uma vez nos
manuais do 737 MAX, apenas
no glossário. “Nossa abordagem
é treinar pilotos sobre os efeitos
de uma falha. É isso que está no
manual de treinamento. Treina-
mos os pilotos para responder
aos efeitos da falha, não para
diagnosticar a causa”, explicou
Muilenburg.
A abordagem da Boeing
é questionada até por pilotos
veteranos, que consideram que
o sistema possui falhas graves de
desenvolvimento e no alerta aos
pilotos. “Todo avião deve ter re-
dundâncias para um sistema que
atua na superfície de comando,
algo que o 737 MAX não tem”,
aponta Rafael, comandante de
737, que preferiu não divulgar seu
sobrenome. “É necessário ter uma

COM A ESCALADA DA


CRISE ENVOLVENDO OS


SISTEMAS DO 737 MAX,


A FAA FOI ACUSADA DE


OMISSÃO NO PROCESSO


DE CERTIFICAÇÃO

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