- Para quê preocupares-te?
nunca provei, nunca quis, nem uma cabra nem um cabíri sobrou, se pudesse mandava
fazer camas de bordão para todos, se pudesse dormíamos até não haver África e nisto
o psicólogo do hospital - Cale-se cale-se
o psicólogo do hospital - Tem medo do seu filho você?
sei lá se não foi ele quem pôs as pedras no rim da minha mulher e acaba comigo
depois, o comandante dos helicópteros sul africanos no caso de preocupares morres, no
caso de não te preocupares morres, portanto para quê preocupares-te e uma espécie
de arrepio a seguir, na hipótese de me perguntarem se gosto ou não gosto do miúdo
não consigo responder, se lhe cortasse um dos braços pergunto-me se ele entendia o
que sinto, acho que sim acho que - Pai
e eu ignoro porquê mas contente, a minha mulher começou a lembrar-se da camisa
de dormir branca outra vez, principiei a encontrá-la sobre a cama antes de nos
deitarmos, a vê-la lavar os dentes à noite, com ela já vestida, sorrindo no interior da
espuma, os pretos esfregam os dentes com um pauzinho, não com uma escova, sinto
nos vossos semblantes a alegria etc enquanto a chuva não parava de cair em Lisboa, só
em Angola vi a camioneta com os nossos caixões, a minha mulher ao meu lado no
quarto, a sua voz baixinho - De luz acesa tenho vergonha
ao passo que de luz apagada um suspirozito - Amor
um braço no meu pescoço, o corpo quieto aguardando, o capitão a bater com a
coronha no soldado do pelotão de morteiros que recusou sair para a mata e ele de gatas
no chão enquanto a minha mulher - Não me aleijes
não - Amor
a minha mulher - Não me aleijes
porque às vezes o meu joelho lhe magoava a perna, porque um dos meus cotovelos
agudo no seu ombro, porque lhe prendia o cabelo, porque lhe calcava um dos pés,
porque os meus dedos com demasiada força na sua pele, porque eu sempre com medo
de ser expulso porque as tuas sobrancelhas circunflexas sobre os olhos fechados, porque
os cartazes das mulheres loiras da tropa me desviavam a atenção, porque as camas dos
oficiais a estremecerem, porque um soldado morto, não morto, a dormir, que deitei ao
meu lado, porque o porco e eu a comermos, comermos, porque os tê seis com o napalm
no Chalala Nengo, porque às vezes, palavra de honra, não me importava de morrer,
porque acordava a meio da noite em Lisboa à procura da arma, porque recados na
picada Deserta deserta e eu a olhar os papéis escritos a lápis Deserta, porque os cães
tentavam roubar-nos a comida, saltavam para cima da mesa e fugiam com ela passando
o arame farpado e escondendo-se entre os caules de liamba, à entrada das cubatas, que
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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