nada nele se alterava, comíamos raízes, umas bagas, formigas, um ou outro fruto que
caía das árvores, ovas de peixe de um lago, volta não volta uma povoação no mato,
mulheres, velhos, galinhas, crianças nuas desinteressadas da gente, cafecos a rirem-se
e o homem a ajoelhar diante da cadeira do soba com um osso pintado na mão, sujeitos
a fumarem sem curiosidade por nós, uma fazenda pequena com um branco num trator
decrépito e uma dúzia de pretos a trabalharem no algodão, o branco um sujeito idoso a
arrastar um arado e as bielas do trator a chiarem desfeitas, morava com duas pretas,
que carregavam água à cabeça, numa construção com uma parede antiga e o resto
palhota mais um bote à entrada a cobrir uma cabra, o único branco que vi antes dos
soldados do meu pai só que de calções e descalço, a estimular de vez em quando a
preguiça dos pretos com uma chibatinha, as duas mulheres, já idosas também, batiam
o pilão lado a lado, o soba permanecia na sua cadeira, eu que até então nunca tinha
visto nenhuma, imóvel, sem atentar em ninguém, um gesto de longe em longe e um
sujeito prestável a trazer-lhe água ou mandioca, o deus Zumbi, de madeira, ao pé dele
numa espécie de nicho, frangos minúsculos, cabíris, tudo escuro, miserável, pouco
limpo, Sua Excelência tão mudada agora, sem me desprezar, sem dizer mal de mim, a
arrastar a mala na direção do automóvel
- Não me ajudas?
e eu, sem as palavras, claro que não te ajudo, mesmo que quisesse não te podia
ajudar, lembra-te dos quimbos a arderem, lembra-te das mulheres sem mãos, das
chamas do gasóleo a anularem tudo, das metralhadoras, dos tiros, da minha mãe que
vai morrer não tarda, menos pesada do que as pedras, garanto-te, caminhando para a
adega sem olhar para nós, lembra-te de mim ao lado do alferes a ir-me embora do arame
farpado, das barracas de madeira, das latas de conserva vazias espalhadas no chão, do
alferes atrás da barraca das ferramentas a erguer a gê três até ao queixo, a dar por mim,
a descê-la, a ge - Sinto nos vossos semblantes a alegria de irem servir à Pátria
mer baixinho enquanto me abraçava - Não sou capaz não sou capaz
e eu surpreendido de termos por momentos a mesma idade, quer dizer não tínhamos
a mesma idade mas tínhamos a mesma idade, umas vezes ele era mais velho do que eu
e outras eu era mais velho do que ele, que estranho quando tínhamos a mesma idade
mas dava-me, como exprimir, prazer que tivéssemos a mesma idade, ainda hoje temos
a mesma idade, vou matar um homem da minha idade, vão matar-me a mim com a
idade dele ou então ele mais crescido, ou então eu mais crescido e mais novo, nós dois
atrás da barraca das ferramentas sem que Sua Excelência e a minha irmã nos vissem,
ninguém nos via a não ser nós dois, ninguém sabia, ninguém soube nunca, nós amigos
não é, se não fôssemos amigos não o matava, se não fôssemos amigos nenhum de nós,
África África, morria, nós abraçados só que ele a, sinto nos vossos, os ombros dele a, por
assim dizer, saltarem enquanto se esfregava na manga - Não aguento mais isto
não apenas os olhos, a cara toda que tentava sorrir porque o soldado português é tão
bom como os melhores e Portugal, o último baluarte da civilização cristã, uno e