branco dos olhos, tão mais branco que o nosso, onde as pupilas rebolam, aquele gosto
pelos fatos berrantes, pelas gravatas enormes, pelos relógios doirados, os anéis
doirados, as pulseiras doiradas, os fios do pescoço doirados, Sua Excelência a mirar-me
com desgosto
- Escarumba
e eu a aceitar o - Escarumba
eu humilde, eu subsidiário, eu obediente, o quarto um cubículo com um colchão
estreito num estradozito metálico, uma túlipa de vidro cor-de-rosa no teto a que faltava
a lâmpada como ao próprio teto e às paredes faltava a pintura, sentiam-se os primeiros
passos dos pombos nas telhas, as primeiras unhas, os primeiros arrulhos e as
navalhinhas de vento que antecedem a manhã, no postigo de portada meio solta um
arbusto qualquer com duas ou três folhas a vibrarem ao sol e as restantes ainda escuras,
quietas, Sua Excelência a apontar-me a cama - Não há espaço para dois tens que dormir no tapete
e é verdade que maçada, não há espaço para mim, o tapete um quadrado de ráfia
outrora vermelho, disso lembro-me, contente de ser chamado tapete - A senhora tem razão amigo
e quem somos nós para contrariar a opinião das coisas e com tanto mais razão se
ainda por cima nascemos escarumbas embora o meu pai a agarrar-me o braço avisando
os soldados - Não tocam neste que é meu
de maneira que nem me deitei na ráfia, acocorei-me a um canto, de joelhos na boca,
sem abrir a mala nem tirar o pijama, sem me despir sequer, descalcei os sapatos apenas
que apesar de em geral obedientes recusavam sair dado que os pés inchados do
caminho e as canelas da grossura dos joelhos, sem ossos, Sua Excelência não
desabotoou o vestido, estendida de bruços a protestar com a almofada num resmungo
que não entendi, a fidalga, ela que em casa dos pais dormia num saco cama na sala na
companhia da irmã, de nariz quase a roçar as pernas da mesa, não contando um
sobrinho no sofazeco onde a mãe costurava, não estou a exagerar palavra de honra, era
assim, isto na outra banda do Tejo na qual os caniços dos pântanos falavam com a gente,
o capitão para o alferes referindo-se a mim - O melhor é o doutor vê-lo para o caso do miúdo uma doença do sertão dessas que
se pegam a nós
um outro alferes, duvidoso - O meu capitão acredita mesmo que os cães passam os problemas deles às pessoas?
sem que o capitão o ouvisse ocupado a ditar mensagens ao rádio que dava um nó à
antena numa vara de quimbo, isto de manhã ainda porque chegaram no fim da noite
como Sua Excelência e eu chegamos à aldeia depois de subirmos a rampa em passos ao
acaso tropeçando um no outro, a minha mãe do lado de fora da porta - Bons sonhos
com Sua Excelência indiferente a ela já de olhos fechados - Se alguma coisa posso jurar-te é que esta é a última matança