Linhas e Tramas

(Casulo21 Produções) #1

Minha mãe não era profissional da costura, mas costurava bem e fez muitos
figurinos para mim, além de consertar trajes, fazer almofadas e roupas de cama.
Também bordava o ponto cruz e, em outro armário, deixou dezenas de toalhas de
mesa, passadeiras, guardanapos (a maioria preparados como enxoval e só usados
em ocasiões muito especiais). Da mesma preparação pré-nupcial estavam na sala
de casa duas paisagens bordadas com lã e emolduradas.
De família simples, filha de uma mulher forte que botou a mão na massa,
na terra, nas panelas, para criar oito filhos, minha mãe dava valor às coisas
conquistadas e não se desfazia delas sem um motivo nobre. Por isso, uma blusa de
lese que deixava de servir virava tecido dobrado na pilha variada de sua coleção.
Somava-se a ela uma peça de algodão verde que ganhou em alguma roda da fortuna,
um pedaço de veludo vermelho, um de tricoline xadrez, outro de cetim azul-céu.
Todo esse material juntado ao longo da vida foi acrescido de mais um tanto,
que minha mãe ganhou do que havia deixado minha tia, sua única irmã e melhor
amiga, quando de sua partida, oito meses antes da que fez ela ao seu encontro. Eram
caixas com lãs de diversas cores e espessuras, agulhas de tricô que essa tia tão bem
fazia e que com sua produção de blusas, casacos e polainas tantos invernos me
aqueceu. Era também minha madrinha e, como uma espécie de benção, cortou e
costurou meus vestidos mais importantes.
De minha avó, mãe da mãe, lembro pouco, era bem pequena quando ela
partiu. Mas, uma das memórias que guardo dela é a de uma boneca, com rosto de
pano e corpo de lã trançada, feita por suas mãos.
Herdei um universo de fios e tecidos. E eu, que apesar de ter aprendido a
bordar na adolescência e possuir certa habilidade para dar pontos, não tinha
capacidade para dar um destino útil àquilo tudo. Não sabia costurar, tricotar ou fazer
crochê mas, além de não descartar aprender todos esses ofícios um dia, fiquei sem
coragem para me desfazer daqueles guardados preciosos. Foi aí que veio o clarão:
usaria aquilo para contar histórias!


O impulso interior tinha acontecido. Eu tinha um argumento forte,
verdadeiro e muito rico em possibilidades. Defini que iria contar histórias sobre
tecidos ou tecelões, fios ou fiandeiros. Costura e bordado. Um alfaiate.
Acrescentaria relatos pessoais, minha mãe e minha tia, memórias de infância e

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