REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
não se pode por acaso ser sempre feliz. A fortuna não
só governa as armas, mas também as letras; porque a
memória, se uma vez se permite com abundância,
nega-se mil. Em qualquer estado, se tem a reputação
por felicidade; porém esta é difícil de conservar-se à
proporção que é grande. Algumas vêzes pode depender
de nós o buscar uma ocasião favorável, de que venha a
proceder um grande nome; porém não está na nossa
mão o fazê-lo durar. Um merecimento, ou um saber
pequeno, pode fazer adquirir uma grande fama, e o
maior merecimento junto ao maior saber, pequeno,
pode fazer adquirir uma grande fama, e o maior mere-
cimento junto ao maior saber, não basta para a
conservar. Por mais bem fundada que seja uma grande
reputação, nem por isso é possível o ter segura a
opinião das gentes. Os homens cansam-se de admirar;
passados os primeiros movimentos em que as coisas
raras, atraem, como por fôrça, o nosso louvor, e
aprovação; depois, a vaidade de quem admira, é a
primeira que se desgosta; irrita-se contra tudo o que é
superior. Uma qualidade eminente que vemos nos
outros, fica-nos sendo como uma qualidade adversária
e oposta. A vaidade, ou a inveja, que ela produz, não
só se dirige contra a opulência alheia, mas também
contra a alheia sabedoria; a ciência não tem maior
inimigo, que a ignorância: tudo o que está em lugar
alto molesta-nos a vista, e a atenção; só o que está no
lugar em que nós estamos, não nos ofende. A
igualdade, e uniformidade é natural em tudo; por isso
os que se afastam desta lei universal, ficam sendo
odiosos aos que se conservam nela. Há muitos meios
para subir; a vaidade é a que guia a todos; e com efeito
sem vaidade ninguém sobe, nem procura subir; êstes
sim ficam confundidos em uma vulgaridade escura,
mas nin-