êstes nasciam como em terra fecunda, e própria, donde
a vaidade da nobreza quis elevar-se ainda acima das
estrelas. E com efeito Enéias dizia ser filho de Vênus;
Aquiles de Tétis; Faetonte de Apolo, Alexandre, e
Hércules de Júpiter. Êstes, e muitos outros pretendiam
não menos nobre origem, que a celeste, como
descendentes dos deuses imortais; esta fábula não
durou um dia só; e é para admirar, que ela tivesse
autoridade no conceito de homens polidos, sábios, e
prudentes, e com tanta fôrça que chegassem a fazer das
fábulas, religião. Aquela foi a nobreza dos antigos;
nobreza, que tinha por princípio, um engano
introduzido, e respeitado. Via-se nas mãos de Júpiter o
raio, nas de Marte a espada, e nas de Apolo as setas;
Tétis dominava as ondas, Vénus a formosura: quem
havia resistir por um aparte à fôrça do poder, e por
outra ao encanto da beleza? Ainda quem conhecesse a
fábula, se havia de namorar do aparato dela. Todos
sabem que os homens são iguais, enquanto homens;
mas nem por isso deixam de entender, que há uma
nobreza que os distingue, e que os faz ser homens
melhores.
Ainda a nobreza dos antigos (depois de acre- (15G)
ditado o êrro) tinha mais corpo; porque os ilustres iam buscar
os seus ascendentes nos seus deuses; e desta sorte ficavam os
homens meio humanos, e não inteiramente. Só assim podiam
ser distintos, e desiguais na realidade. As distinções
permaneceram, enquanto duraram as suposições da origem.
Conheceu o mundo a impostura, e logo os deuses se
acabaram, deixando os seus descendentes, feitos homens
como os outros; e com a circunstância, que