REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
sensíveis ao bem, e ao mal; a uns penetra mais
vivamente a dor, a outros só faz uma impressão ligeira:
o bem não acha em todos o mesmo grau de
contentamento. Nas almas deve de haver a mesma
diferença, que há nos corpos; umas mais débeis, e
outras mais robustas; por isso em umas obra mais o
sentimento, e acha mais resistência em outras; em
umas domina a vaidade com império, e com furor, em
outras só assiste como coisa natural; naquelas a
vaidade é uma paixão com ímpeto, nestas é um vício
sossegado, em desordem.
O entendimento nos homens, é como a formo- (58) sura
nas mulheres; não há desgraça de que um espelho as não
console, nem tristeza de que se não esqueçam, vendo-se em
estado de inspirar amor: a um homem infeliz serve de alívio, o
considerar-se sábio; êste pensamento, ou esta vaidade lhe faz
adormecer o mal que sente; como se a mulher só viesse ao
mundo, para ser querida, e o homem só nascesse para ser
discreto: entre um, e outro a diferença é grande: a mulher
formosa, com o tempo conhece que já o não é; o homem
entendido nunca alcança que só o foi: a mulher não pode
deixar de ver o estrago, que os anos fazem na beleza, o
homem não penetra a ruína, que o tempo causa ao enten-
dimento; mas não importa que assim seja porque é justo que o
homem se desvaneça sempre, e que tenha fim na mulher a
vaidade: ninguém adora ao homem por entendido, e à mulher
todos a idolatram por formosa. Acabe pois a vaidade na
mulher, porque foi tão excessiva, e no homem dure, porque foi
mais moderada.