REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
que há uma certa porção de alegria e de tristeza, que há
de passar por nós precisamente; a fortuna e a desgraça
não a produz; só a desperta. Tudo nos é dado como por
conta; a vida, a fortuna, a desgraça, a alegria e a
tristeza: em tudo há um ponto certo e fixo; a vaidade
que governa tôdas as paixões, em umas aumenta a
atividade, em outras diminui; e tôdas recebem o valor,
que a vaidade lhes dá. Estamos no mundo para ser alvo
do tempo; e dêste tôdas as mudanças não se dirigem a
nós, dirigem-se à nossa vaidade: os sucessos fazem
efeito em nós, porque primeiro o fazem na nossa
vaidade; de sorte que um homem sem vaidade seria o
mesmo que um homem insensível; o prazer, e o
desgôsto, que não vêm das primeiras leis da natureza,
são vãos em si mesmos, de instituição política, e
unicamente criaturas da vaidade.
As virtudes humanas muitas vêzes se compõem (86) de
melancolia, e de um retiro agreste. As mais das vêzes é humor
o que julgamos razão; é temperamento o que chamamos
desengano; e é enfermidade o que nos parece virtude. Tudo
são efeitos da tristeza; esta nos obriga a seguir os partidos
mais violentos, e mais duros; raras vêzes nos faz refletir sôbre
o passado; quase sempre nos ocupa em considerar futuros; por
isso nos infunde temor e covardia, na incerteza de
acontecimentos felizes ou infaustos, e verdadeiramente a
alegria nos governa em forma, que seguimos como por fôrça
os movimentos dela; e do mesmo modo os da tristeza. Um
ânimo alegre disfarça mal o riso; um coração triste encobre
mal o seu desgôsto: como há de chorar quem está contente? E
como há de rir quem está triste?