Valor Econômico (2020-04-23)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 16 da edição"23/04/2020 1a CAD A" ---- Impressapor ccassiano às 22/04/2020@20:20:


A
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Valor
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Quinta-feira, 23 de abrilde 2020

IMPACTOSDO


CORONAVÍRUS


Especial


Fonte:LocomotivaPesquisae Estratégia

Mudançade hábito


Pesquisacom1.131consumidoresde 72 cidadesdo país- em % das respostas


Aprendizadosdo isolamentosocial Comportamentode compras


Comprammenosem lojasde departamento


Compramaisalimentosparapreparar
em casa

Vãodiminuircomprasem lojasfísicas


Vãoaumentara comprapor apps
depoisda quarentena

Sim,muitomais


Compararmaispreços


Experimentarnovasmarcas


Economizartempoao comprar


Dividiras tarefasdomésticas


Sim,um poucomais Não


59 39 2


54 28 18


39 31 30


25 46 29


Impactodo confinamentonos hábitosde compraon-line


Produtosinfantis

Alimentosparaanimalde estimação

Remédios

Itensde higienepessoal

Materialde limpeza

Refeiçõesou lanchesprontos

Alimentosparaprepararem casa

Nãopediadelivery,
maspassoua pedir

Já pediae passou
a pedirmais

Já pediae continua
a pedirigual

Já pediae passou
a pedirmenos

Nãopedidapara
essetipode produto

55%


Pretendem


fazermais


pesquisade


preçosmesmo


depois de


passadaa crise


45%


Esperamser


mais


econômicos em


suascompras


apóso fim da


pandemia


53


39


32


49


12 8 5 2 72


12 7 6 1 73


15 18 20 3 45


17 8 6 2 67


16 7 5 2 71


10 25 21 15 29


15 13 8 4 60


ConjunturaPesquisamostraexpansão


deappsemaiscomparaçãodepreços


Crise acelera a


digitalização e


faz consumidor


mudar hábitos


Eduardo Belo


De São Paulo


A crise do coronavírusvai mu-


dar as relações de consumono


Brasil. Pesquisado InstitutoLo-


comotivacom 1.131consumido-


res em 72 cidades de todosos Es-


tados brasileiros já mostramu-


dança de comportamento na ho-


radecomprareapontaparauma


tendência de digitalização da


economiadabaixarenda.


A comprapela internetvia apli-


cativoscresceumaisde30%nopri-


meiro mês de isolamento social,


comcrescimentos maisexpressi-


vos em doisgrandes mercados


consumidores: o das pessoascom


maisde 50 anos, que éoprincipal


do país, e o das classes C, D e E, que


juntas representam um pouco


maisda metade do poder de com-


pradetodososbrasileiros.


Os maisvelhos, que não com-


pravam on-line por hábito e algu-


ma dificuldade com a tecnologia,


foram de certa forma obrigados a


aderir. Já a baixa renda passou a


usar os meios eletrônicos com


maisintensidademuito em fun-


ção dos programasde assistência


oficiaiseprivados,todoson-line.


São programas comooauxílio


do governopagovia CaixaEco-


nômicaFederal,ovale-merenda,


para700 mil alunosdo ensino


públicodo Estadode São Paulo,


pagospor meiodo app Picpay, a


distribuiçãodecestaseletrônicas


(para10 mil famílias)da ONG


GerandoFalcõesou vale-mãe,da


CentralÚnicadasFavelas(Cufa).


Nos hábitosde consumo,a


pesquisa mostrou que 98% dos


consumidores aumentaram as


comparaçõesde preço. Maisda


metadedeles(59%)dizemque


passaram acomparar “muito


mais”. Dos entrevistados,82% es-


tão experimentandonovasmar-


cas; 70% passaramaeconomizar


temponascompras.


O levantamento mostra tam-


bémque o isolamentosocial ser-


viu para melhorar adivisão de ta-


refasnolar.Dosentrevistados,71%


disseramter ocorrido umaredis-


tribuição do trabalhodoméstico.


Ametade feminina do universoda


pesquisaavalizaodado.


A comprapor aplicativoscres-


ceu. Conformea categoria(ali-


mentos, higiene,artigosinfantis,


medicamentos etc.) entre10% e


17% não compravam pararece-


ber em casaeagoracompram.


Tambémconformea categoria,


entre8% e25% dos entrevistados


passaram a comprarmaison-li-


ne(ver quadroacima).


ParaRenatoMeirelles,adigitali-


zação já era um movimento em


curso, mas ia demorar muito mais


para ocorrer, não fossem as conti-


gênciasdapandemia.


Ooutroladodamoeda,dizMei-


relles, está no pequeno empreen-


dedor que passou a aceitar meios


digitais ou inscreveu seu negócio


em um aplicativo paraatender o


consumidordigitalizado.


“Essa distribuição de rendaede


donativos via aplicativo acelera


aindamais o processode forma-


ção de novos ecossistemas finan-


ceiros”, comenta Meirelles. “Mas


ela só estáocorrendo porque esta-


mosemcrise,oquetrazmovimen-


tossemvoltaparaoconsumidor.”


Oisolamento social tambémle-


vou auma das principaistendên-


cias do consumo a partir de agora:


oaumento na prática de pesquisar


e comparar preços.Segundo o le-


vantamento, 55% dizem que pre-


tendemmantero hábito de pes-


quisar maispreços depois de crise


e 45% querem continuar gastando


menosqueantes.


Há tambémum impactopre-


vistopara as compras presen-


ciais:32% vão reduziras compras


em lojasfísicas e 49% pretendem


comprarmaisporaplicativo.


“Esqueçam as relações de consumo do Brasil antes da covid”


De São Paulo


Digitalizaçãodoconsumidore


a necessidade de o varejomudar


o perfilparaatendê-lo melhor


era umatendência que já vinha


se desenhandono horizontehá


algum tempo. Tanto que, no co-


meçode março, duassemanas


antesdo iníciooficialdo isola-


mentosocial,opresidente do Lo-


comotiva, Renato Meirelles, em


conversacomoValor,jáadianta-


va partedesse movimento. Só


que agoraa covid-19está fazen-


dotudoandarmaisdepressa.Por


isso, ele acreditaque o que iria


durar anos,vai se consolidarra-


pidamente.“Serãocincoanosem


cincomeses”, brinca.


Para ele, saem na frente as em-


presas que já estavam investindo


nisso, comoMagazine Luiza. Mes-


mo assim, alerta, “essas empresas


também não estavam prontas. Es-


tavamsócomeçandoaolharisso”.


Como resultado desseprocesso,


diz, “o Brasil ganha, do pontode


vista do avanço das relações de


consumoe com oempoderamen-


to do consumidor graças à tecno-


logia”. Mas orelacionamento do


consumidor com as empresas


nuncamais será omesmo.“Esque-


çamas relaçõesde consumodo


Brasilantesdacovid.Acabou.”


No fim da tardede terça-feira,


Meirelles conversoucom oValor


por videoconferência. Eis os


principaistrechosdaentrevista.


Valor:Duassemanasantesdo


começodo isolamento, osr. disse


quenomédioprazooconsumidoria


depender cada vez mais da tecnolo-


giaparaternovasoportunidadesde


um consumomelhor,mais satisfa-


tório,em que ele se sentissemais


bematendido.Issojácomeçou?


Meirelles:Issoeraummovimen-


to que não foi inventado agora,


mas que com acovid-19 acelerou


e, semmedo de errar,vai ser feito


em cinco meses,em vez de cinco


anos.Égrandeonúmero de pes-


soas que não usavam oaplicativoe


passaram ausar, que não compra-


vampelainternet epassaram a


comprar, que não pesquisavam


preçoe passaram a pesquisar. São


números que mostram comoau-


mentou a frequência e aumentou


apenetraçãodessefenômeno.A


democratização da internet já era


dada, mas não a democratização


dos aplicativos, o uso dos aplicati-


vos comomecanismo de platafor-


mas de compra. Esse número


avançoumaisde30%.


Valor:Comoaumentou?


Meirelles:Aspessoaspassaram


a buscarsoluçõesque elas não


precisavam antes, seja porque


elas não podemsair, seja porque


aslojasnãopodemabrir.


Valor:Mas tem aquestãoda que-


dadarendatambémnessaequação.


Meirelles:Tem. Em dois aspec-


tos.Apenetraçãocresceuentreos


mais pobres e os maisvelhos. A


população acima de 50 anosnão


usava não era só por renda, mas


também por hábito, então teve


uma mudança de hábito nesse


processo, e os maispobres passa-


ramaterqueexperimentar.


Valor:Ecomoeleexperimenta?


Meirelles:Gastandopoucono


início.Testandoparasaberse é


bom,eaumentandoafrequência


emseguida.


Valor:Eosegundoaspecto?


Meirelles:Temavercom quem


vende.Umasérie de negóciosnão


estavamnos aplicativos. Nãosó


iFood,mas também no Mercado


Livre, na Amazon, no market place


do Magazine Luiza, na B2W[Ame-


ricanas-Submarino]. Eles tiveram


que entrar e, com isso, passaram a


ter contatodireto com oconsumi-


doratravésdosapps.Elestambém,


rapidamente, se digitalizaram. Fo-


ramobrigados.


Valor:Isso quer dizero quê?O


brasileirohoje tem uma tendência


demigrarparaoe-commerce?


Meirelles:Não é o e-commerce.


É alógica de plataforma.Oe-com-


merceé só um canalde vendapela


internet. O que estamos falando é


um canalde venda com umaen-


trega, com um programa de rela-


cionamentoeum canalde venda


queintegraváriasplataformas.En-


tão você tem de fato a criação de


um ecossistema.E ovalor do atri-


butodaúltimamilha,queéacapa-


cidadedeentregarrápido,ganhou


umarelevância enormenesse ce-


nário.Essa questão foi aque im-


pulsionouaAmazonnomundoeé


o que está resolvendoa vida do


Mercado Livre, melhoraté que a


AmazonnoBrasil,porexemplo.


Valor:O que diz a sondagemque


o Locomotivafez com o consumi-


dor? Comoele está se sentindoem


relaçãoaessaexperiêncianova?


Meirelles:Ele está de um lado


aprendendo coisas que não achava


possível,entãoele achaque nesse


aspectoas coisas estãomelhoran-


do. Sabe que não vai mais comprar


damesmaforma,quevaipesquisar


muitomaispreço.Antes esse era


um movimento sem volta,mas ti-


nha algunsgargalos. Tinha o gar-


galo de tecnologia,que as pessoas


foramobrigadasadar um jeito.


Masoprincipalgargaloeracultura,


hábito.Isso,afórceps,mudou.


Valor:O Locomotivatem pesqui-


sa que mostraque em abril 91 mi-


lhõesdebrasileirosdeixaramdepa-


gar algumaconta.O sr.diz que isso


se relacionacom anova realidade


decomprasporapps.Como?


Meirelles: De duas formas.


Houveum endividamento, que


veio do cartãode crédito, eque


afetoua inadimplênciaagora.O


outroéna quedade renda...se de


um ladoisso dificultao consu-


mo, por outroradicaliza aquilo


que agente já tinhaidentificado


antes,que era abusca do custo-


benefício.Esse cara que está com


a contaem atraso, possivelmente


está dentrode casa pensando no


que fazerparaconseguirequili-


brar as contas.Aí a pesquisade


preçocresce.Na baixarendatem


um outroimpacto. Parte dos be-


nefícios distribuídospelo gover-


no se dá pelo cadastramento via


CaixaEconômicaFederal.As pes-


soasque não eramcadastradas


estão tendoque se cadastrar,


usandodados digitais.Imagina


que na ClassesDeE,que são 5,


milhõesde pessoasque não têm


contaem banco nem acessoà in-


ternet.Essaspessoasestãotendo


que se virar, e isso avançapara


partedelas.Já oempreendedor


passouaaceitarmeiosdigitais.


Tem as açõessociaispor via ele-


trônica.Tudo isso aceleraopro-


cessodedigitalização.


Valor:Oque émovimentosem


voltaagoraparaoconsumidor?


Meirelles:É radicalizara pes-


quisade preço,buscarcomodi-


dadeno processo de compra,a


facilidade de entrega,utilização


dos meioseletrônicosde paga-


mento, eaí você tem o aumento


da bancarização via fintechs. Até


então,as fintechssó cresciamna


alta renda.Tanto que 95% das


pessoasque tinhamcontasem


fintechstambémtinhacontanos


bancostradicionais.


Valor:Quando 2021 chegaro


brasileiroterá outrarelaçãocom o


consumo,comasfinanças?


Meirelles:E com a escolhadas


marcas.


Valor:Ondeas marcasentram?


Você fala de marcas do varejoou


tambémdeprodutosdaindústria?


Meirelles:Deprodutoevarejo.O


consumidor vai se conectar às


marcas que estejamem platafor-


ma que não só têm um portfólio


que o atende,mas tambémtem


uma curadoria desseportfólio que


faça sentido ele eque o conecte a


outrosvarejos.Oconsumidorquer


entrar lá e resolver. Do ponto de


vistada indústria,tem um outro


movimento: cadavez mais,ovare-


jo vai conseguir recomendar,atra-


vés de inteligência artificial, quais


são as marcas que resolvempara o


consumidor. E essas marcas ou se


apresentampara oconsumidor e


buscam uma relação direta ou vão


ficarescravasdovarejo.Aoficares-


crava, elapode ter queabrir mão


demargemparacompetir.


Valor:Abrirmão de margemde-


pois de uma crise não é um movi-


mentomuitofácilnemindolor...


Meirelles:Depois de cincoanos


decrise.Éumdesafioparaaindús-


tria. A inteligênciaartificial, ao


proporalgoparaoconsumidor,vi-


ra ogrande momento de ativação.


A importância que o on-linede


marcas eprodutos émuito maior,


eisso aumenta opoder de barga-


nhadovarejofrenteàindústria.


Valor:A indústriavai precisar


trabalharmais?


Meirelles:Odesafiodaindústria


énãoterceirizarparaovarejoasua


relação com o consumidor. Ela


temquerepactuarsuapropostade


relação com oconsumidor e não


podeabrir mão de uma relação di-


reta,sequisersobreviver.Elavaiter


quemanteraparceriacomvarejoe


ao mesmo tempo, criar canais di-


retoscomoconsumidor.


Valor:O varejoganha,de fato,


mesmodianteda quedade rendae


doaumentododesemprego?


Meirelles:Acrisenãorepresenta


um ganho. Éperda. A consequên-


ciadacrise,queéessaantecipação,


representaganhoamédioprazo.A


crisevaisergrave.Nossaprojeçãoé


de queda de 6% no consumodas


famílias e de 5% no PIB. Não vaiser


nem um pouquinho tranquiloes-


se processo de retomada.Não es-


tou de forma alguma subestiman-


dooimpactoqueacriseestátendo


eaindateránavidadaspessoas.


Valor:Esse movimentodeve de-


sencadearum encolhimento do va-


rejotradicional?


Meirelles:Vai claramentefazer


comqueovarejotradicionalperca


share. Não vai acabar o varejo tra-


dicional, nem com 20 crisesde co-


rona,mas ele começa a ter uma


mudançadefunção. Passa aser


maisbaseadona lógicade expe-


riência, passa a ser um canalim-


portante para a fidelização que se


darápeloon-line,passaaterafun-


ção de hub de distribuição de pro-


dutos e serviços. O supermercado


deixa de ser uma loja para só com-


prar epassa a ser uma loja em que


as pessoas compraram pela inter-


netevãobuscartudojáempacota-


do,ouumpontodecoletadecom-


prasfeitasdeoutrosparceiros.


Valor:O sr.já disse que oconsu-


midorde baixarenda,especialmen-


te nas favelas,é desfavorecidopela


distribuiçãoepagarmaiscaro.Essa


lógicavaimudar?


Meirelles:Alógica não cai por


terra e ele ainda é o maisprejudi-


cadopela distribuição.Vocêtem


uma questão de regularização


fundiária, nem todo mundo tem


CEP.Um terço das pessoas que


compraramnafavelanãotinham


onde receber esse produto. Só


que o aumento da demandavai


acelerar o processo de solução.


Essecaraquenãotinhaacessoaos


meios de pagamento eàconta no


banco,agorapassouater,porque


estárecebendo as doações via


aplicativo,se cadastrando na


poupança eletrônica na caixa. Ao


mesmoeletempoemqueeleestá


digitalizando odinheiro de uma


forma muito rápida, ele aumenta


a demanda pelo on-line e aí solu-


ção dessas logísticas passa a ser


fundamental,levandoaindústria


e o varejo a colocar dinheiro para


resolveressesproblemas.


Valor:Alguns economistas di-


zem que a saídada crise demanda


uma grandedistribuiçãode renda.


Amudançatecnológicacontribui?


Meirelles:Não existesaída para


criseque não passe por uma radi-


calizaçãodadistribuiçãoderenda.


Por conta da pandemia, os mode-


los de distribuição de rendatorna-


ram-se modelos eletrônicos. Isso


mudacompletamentearelação


que essaspessoastêm com ocon-


sumo.Ela começaaver uma série


de vantagens de gastar também


pormeioeletrônico.


Valor:O consumidorsai da crise


maispreparado?


Meirelles:Semdúvida.Maispre-


parado,mais maduro,mais con-


fianteem relação a sua capacidade


de superar isso, mas também sai


mais desconfiado. Ele sai mais des-


confiado de promoção,por exem-


plo, porque agora ele tem uma


chancemaiordecomparar.


Valor:Há dois mesesvocê citava


que haviauma demandae uma ex-


pectativado consumidorde baixa


rendapara ele recuperarpelo me-


nos partedo consumoque ele tinha


dezanosatrás.Eagora?


Meirelles:Eu achoque ele não


temmaisailusãodequeascoisas


serãocomoantes.


Valor:OLocomotivapesquisouo


que o consumidor pretendeem ter-


mosdepoupançadepoisdacrise?


Meirelles:Temos uma pergun-


tarelacionadaaisso.Nãomudou


muitoem relaçãoaantes. A pou-


pança hojeele enxerga como


uma segurança,por medo de de-


semprego, maisdo que umavi-


são de longoprazo. Nestemo-


mentoele está pensandomais


emsobreviverdoqueemviver.


Renato Meirelles: A crisevai ser grave. Nossaprojeçãoé de quedade 6% no consumo das famíliase de 5% no PIB”


CLAUDIO BELLI/VALOR

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