20 FREUD
A partir da “cura pela fala”
de um amigo fisiologista,
Freud criou a estrutura de
sua terapia, a mais influente
de todos os tempos.
DA CATARSE
À PSICA-
NÁLISE
Freud tinha até uma interpretação própria para
a origem desse trauma. Acreditava que a dissocia-
ção mental que resultava na histeria vinha de uma
autodefesa da mente contra uma lembrança insu-
portável: especificamente a de ter sido abusado na
infância por um adulto, geralmente pelos pais – uma
ideia, aliás, que Breuer não assinava embaixo de
jeito nenhum. Essa proposta era baseada em rela-
tos que Freud ouvia de suas pacientes, e ficaria
conhecida como sua Teoria da Sedução. Mas ele
logo veio a perceber que a conta não fechava. Pa-
ra que todo mundo que passava pelo seu consul-
tório tivesse, de fato, esse histórico de abuso, seriam
necessários mais pais e mães molestadores de
crianças do que o bom senso permitiria acreditar.
Além disso, Freud foi notando que muitos dos
relatos de seus pacientes traziam contradições,
exageros... fantasias. E assim foi mudando sua
teoria da psicogênese das neuroses – como faria
com várias de suas ideias ao longo da vida.
Num primeiro momento, assim que rejeitou a
Teoria da Sedução, passou a crer que o trauma
ainda fosse sexual, ok, mas não gerado por uma
lembrança, e sim por uma fantasia do neurótico:
era o desejo sexual que a criança sentia por um
dos pais que criava o pensamento reprimido, re-
sultando num sofrimento psíquico. Depois, Freud
sofisticaria sua teoria, apontando que histerias e
outras neuroses viriam de um conflito mental
entre nossos desejos e nossas autocensuras.
Aliás, falando em neurose, é bobagem xingar
alguém de neurótico. Para Freud, neuróticos somos
todos nós: pessoas que têm conflitos internos e
lidam com eles por meio de repressões mentais.
O austríaco diz que todo mundo tem de lidar men-
talmente com desejos que precisam de uma boa
dose de autocensura. (Só vira sinônimo de distúr-
bio mental quando o indivíduo não consegue lidar
bem com seus conflitos.) Se você nunca reprime
os seus desejos, isso é uma evidência de psicose:
quando não há barreira entre a sua consciência e
as suas vontades mais malucas, de sexualidade e
de agressividade – essa, sim, seria uma situação
que você pode chamar tranquilamente de loucura.
Sem repressão, sua vida viraria um caos; assim
como uma sociedade seria caótica – ou psicótica
- se deixasse todo mundo tocar fogo no circo.
Além de mudar de ideia sobre a origem dos dis-
túrbios mentais, o gênio de Viena resolveu mudar
de tática nos tratamentos. O primeiro passo foi
A terApiA que recebeu o nome de psicanálise é uma
derivação do método catártico praticado por Josef Breuer
- aquele processo todo que teria curado Anna O. Freud
sempre deu esse crédito ao amigo, de verdadeiro desco-
bridor de um novo caminho de exploração do incons-
ciente, e descreveu esse tratamento no artigo O Método
Psicanalítico de Freud: “[o tratamento de Breuer] pressu-
punha que o doente fosse hipnotizável e se baseava na
ampliação da consciência que sucede na hipnose. Tinha
como objetivo a eliminação dos sintomas, e o alcançava
fazendo o paciente retornar ao estado psíquico em que
o sintoma surgira primeiramente. No paciente hipnoti-
zado afloravam lembranças, pensamentos e impulsos
até então ausentes de sua consciência, e depois que
ele comunicava ao médico esses eventos psíquicos, sob
intensas manifestações afetivas, o sintoma era superado
e o seu retorno não ocorria”. Os casos narrados em Es-
tudos sobre a Histeria envolveram predominantemente
tratamentos catárticos, ou hipnóticos.
Para Breuer, e para Freud na época, a eficácia terapêu-
tica dessa catarse estava na possibilidade de descarga,
via hipnose, de uma emoção reprimida, ligada a algum
tipo de trauma que não tinha chegado à consciência.
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