Clipping Banco Central (2020-08-02)

(Antfer) #1

Banco Central do Brasil


Folha de S. Paulo/Nacional - Ilustríssima
domingo, 2 de agosto de 2020
Banco Central - Perfil 1 - Reforma da Previdência

democrática. Uns cultivavam a crença de que a
revolução traria o fim da sociedade de classes
e da propriedade privada; outros aspiravam
restabelecer o Estado total e um passado
nacional idealizado em tabernas e cervejarias.


Ambos alimentaram ilusões do homem novo,
do Estado total, da negação dos direitos
individuais e da emergência revolucionária de
nova ordem social orgânica e não competitiva.


Não é intelectualmente honesto argumentar
que exista qualquer conjunto significativo de
idéias e fatos históricos que liguem liberalismo
e fascismo. Diante da fúria destrutiva da
revolução bolchevique que ameaçava a Europa
no pós-Primeira Guerra, Mussolini foi saudado
por muitos, de Churchill ao jornal The New York
Times, como alguém que "salvou a civilização
europeia" de tuna grande ameaça.


No Brasil, não foram apenas Plínio Salgado e
sua horda de duvidosa procedência que se
animaram com os avanços do fascismo na
Europa. O próprio ditador Getúlio Vargas
acreditava estar diante do "início tumultuoso e
fecundo" de tuna nova era "incompatível com o
individualismo" e com os "liberalismos
imprevidentes" do passado.


Para além das tensões próprias daquele
momento histórico e dos erros cometidos por
muitos, o fato incontestável é que o
pensamento liberal foi alvo direto do fascismo,
do mesmo modo como viria a ser dos regimes
socialistas, no pós-guerra.


Friedrich Hayek, KarlPopper, Ludwig von Mises
e Raymond Aron, alguns dos principais
pensadores liberais do século, foram todos
exilados pelo nazifascismo. Dedicaram a vida a


pensar a ordem social a partir de tuna visão
complexa da liberdade humana, envolvendo
suas dimensões intelectual, política e
econômica. Essas idéias serviram de base para
o conceito contemporâneo de sociedades
abertas e seu delicado equilíbrio entre a
garantia de direitos, respeito a minorias,
democracia política e economia de mercado.

Sociedades abertas se definem pelo
reconhecimento de que não haverá acordo
entre os cidadãos nos planos da ética,
dareligião, da estética ou da retórica política,
em sentido amplo. Visões mais restritivas -
como temos em Hayek ou Milton Friedman - ou
mais exigentes quanto a direitos - como em
John Rawls, Dworkin ou Norberto Bobbio
expressam distintos matizes dessa ideia da
grande tradição liberal.

Maior ou menor desigualdade, modelos de
crescimento, tributação, proteção social e
regulação ambiental são temas abertos e
resultados legítimos da escolha social. A
legitimidade do sistema não se define pela
obtenção deste ou daquele padrão distributivo,
mas pelo acordo fundamental em torno das
regras do jogo e o respeito a direitos individuais
invioláveis.

Sua condição de possibilidade é o
reconhecimento da legitimidade do outro. O
outro com o qual não concordamos e que, por
vezes, julgamos ter razão para odiar. Nesse
plano, a estridência retórica, a banalização de
conceitos como "fascista" ou "comunista" são
pouco mais do que peças de entretenimento
político. O liberalismo apela à tolerância e ao
debate equilibrado que a democracia brasileira
requer.
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