Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

crescimento”. Ele recomenda “humildade” na formulação de políticas e cautela em relação às
“grandes generalizações”.
Segundo, continuamente se tiram conclusões pouco fundamentadas que dão suporte
doutrinário para a formulação de políticas: o Consenso de Washington é um caso.
Terceiro, o “saber convencional” é instável e com freqüência se transforma em outra coisa,
quem sabe o oposto da última fase, o que não diminui a renovada confiança de seus proponentes
na aplicação da nova ortodoxia.
Quarto, geralmente se reconhece a posteriori que as políticas de desenvolvimento econômico
não “serviram aos objetivos anunciados” e estavam baseadas em “más idéias”.
Finalmente, diz Krugman, costuma-se “dizer que as más idéias florescem porque atendem aos
interesses de grupos poderosos. Não há dúvida de que tal coisa acontece”.
Esse acontecer é um lugar-comum, pelo menos desde os tempos de Adam Smith. E acontece
com impressionante regularidade, mesmo nos países ricos, embora venham do Terceiro Mundo os
relatos mais cruéis.
Essa é a essência do problema. As “más idéias” podem não servir aos “objetivos expressos”,
mas geralmente acabam se revelando ótimas para os seus grandes arquitetos. Foram muitas as
experiências de desenvolvimento econômico na era moderna, com regularidades difíceis de ignorar.
Uma delas é que os sujeitos da experiência costumam se sair muito bem, ao passo que os objetos
quase sempre saem perdendo.
A primeira grande experiência foi levada a cabo há duzentos anos, quando o governo britânico
da Índia instituiu a “Colonização Permanente”, que iria produzir coisas assombrosas. Uma
comissão especial analisou seus resultados quarenta anos depois, concluindo que “a colonização,
concebida com tanto cuidado e ponderação, infelizmente submeteu as classes baixas à mais penosa
opressão”, deixando atrás de si “as ossadas dos tecelões [que] branqueiam as planícies da Índia” e
uma miséria que “não há de encontrar paralelo na história do comércio”.
Mas essa experiência dificilmente pode ser classificada como um fracasso. O governador-geral
britânico observou na ocasião que “a ‘Colonização Permanente’, embora tenha fracassado em
muitos aspectos essenciais, teve ao menos o mérito de haver criado uma vasta classe de ricos
proprietários de terras movidos por um profundo interesse na continuação do Domínio Britânico e
que têm total controle sobre a massa do povo”. Outro mérito foi o de ter proporcionado grandes
riquezas aos investidores britânicos. A Índia financiou 40 por cento do déficit comercial da Grã-
Bretanha, ao mesmo tempo em que forneceu um mercado cativo para suas exportações de
manufaturados, trabalhadores por empreitada para as possessões britânicas em substituição às
antigas populações escravas, e o ópio, que foi o principal produto de exportação britânico para a
China. O comércio do ópio foi imposto à China pela força e não pelo “livre mercado”, da mesma
forma como os sagrados princípios do mercado foram esquecidos quando a importação do ópio foi
proibida na Inglaterra.
Em suma, a primeira grande experiência de desenvolvimento econômico foi uma “má idéia”
para os governados, mas não para os seus criadores e para as elites locais a eles associadas. Esse
padrão se mantém até hoje: coloca-se o lucro acima das pessoas. A consistência dessa crônica não
é menos impressionante do que a retórica que aclama como “milagre econômico” a mais recente
vitrina da democracia e do capitalismo e do que essa retórica geralmente esconde. O Brasil, por
exemplo. Na elogiadíssima história da americanização do Brasil antes mencionada, Gerald Haines

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