Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO, UM FÓRUM INADEQUADO


No mesmo dia em que a primeira página do New York Times anunciou a vitória dos valores
americanos na OMC, os editores advertiam a União Européia para não pedirem à OMC que
apreciasse a acusação de que os Estados Unidos estão violando os acordos de livre comércio.
Diretamente em questão está a Lei Helms-Burton, que “obriga os Estados Unidos a impor sanções
contra empresas estrangeiras que fazem negócios com Cuba”. As sanções “negam na prática a essas
firmas o direito de exportar para os EUA e fazer negócios dentro dele, mesmo que seus produtos e
atividades não tenham nada a ver com Cuba” (Peter Morici, exdiretor econômico da Comissão de
Comércio Internacional dos Estados Unidos). Não é uma penalidade leve, mesmo sem contar as
ameaças mais diretas contra indivíduos e empresas que não respeitam a linha traçada
unilateralmente por Washington. Os editores vêem a Lei Helms-Burton como uma “tentativa
equivocada do Congresso de impor aos outros a sua política”; Morici se opõe a ela porque “está
acarretando muito mais custos do que benefícios” para os Estados Unidos. Mais amplamente em
questão está o próprio embargo, “o estrangulamento econômico de Cuba pelos EUA”, chamado
pelos editores de “anacronismo da guerra-fria”, que seria melhor abandonar porque está se
tomando nocivo aos interesses comerciais norte-americanos.^9
Mas questões maiores sobre o certo e o errado não aparecem, e todo o problema é
“essencialmente uma controvérsia política”, enfatiza o Times, não tocando nas “obrigações [de
Washington] para com o livre comércio”. Como muitos outros, os editores aparentemente presumem
que, se a Europa insistir, a OMC mais provavelmente decidirá contra os Estados Unidos.
Conseqüentemente, a OMC não é um fórum apropriado.
A lógica é simples e típica. Dez anos antes, pelos mesmos motivos, a Corte Internacional de
Justiça (CIJ) foi considerada um fórum inapropriado para julgar as acusações da Nicarágua contra
Washington. Os Estados Unidos rejeitaram a jurisdição da Corte, e quando ela condenou os EUA
por “uso ilegal de força”, ordenando que Washington cessasse o terrorismo internacional, a violação
de tratados e a guerra econômica ilegal e pagasse reparações substanciais, o Congresso de maioria
democrata reagiu imediatamente com uma escalada de crimes, enquanto a Corte Internacional era
denunciada sem rodeios, por toda parte, como um “fórum hostil” que perdera a credibilidade ao
pronunciar-se contra os Estados Unidos. A sentença da Corte praticamente não foi mencionada,
incluindo as palavras apenas citadas e o parecer explícito de que a ajuda americana aos contras era
“militar” e não “humanitária”. Assim como a orientação das forças terroristas, a ajuda continuou
até que os Estados Unidos tivessem finalmente imposto a sua vontade, sempre chamada de “apoio
humanitário”. A história pública segue as mesmas convenções.
Em seguida, os Estados Unidos vetaram uma resolução do Conselho de Segurança da ONU
que exortava todos os países membros a observar as leis internacionais (escassamente reportadas) e
votaram sozinhos (com a companhia de Israel e El Salvador) contra uma resolução da Assembléia
Geral que exigia “total e imediata obediência” às decisões da Corte – ignorada pela grande imprensa,
o que veio a se repetir no ano seguinte, dessa vez tendo apenas Israel como aliado. O caso todo
serve como exemplo típico de como os Estados Unidos usaram a ONU como um “fórum” para impor
os seus próprios valores. (Veja a citação da abertura.)

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