Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

Estados Unidos se opuseram fortemente à realização das eleições e tentaram sabotá-las, temendo
que a democracia pudesse atrapalhar a sua guerra terrorista. Mas tais preocupações se revelaram
injustificadas graças ao bom comportamento do sistema doutrinal, que bloqueou com notável
eficiência os relatos honestos, adotando como que por reflexo a linha de propaganda estatal de que
as eleições eram uma fraude sem sentido^45.
Omitiu-se também o fato de que, ao se aproximarem às eleições seguintes^46 , Washington
deixou claro que, se os resultados não fossem os desejados pelos Estados Unidos, os nicaragüenses
continuariam a sofrer a guerra econômica ilegal e o “uso ilegal da força” que a Corte Internacional
condenara e cujo fim exigira em vão, naturalmente. Dessa vez, porém, o resultado foi aceitável,
aclamado nos Estados Unidos com uma explosão de contentamento altamente instrutiva.^47
No limite da independência crítica, o colunista Anthony Lewis, do New York Times, foi tomado
de admiração pela “experiência de paz e democracia” de Washington, que mostrou que “vivemos
numa era romântica”. Os métodos experimentais não eram nenhum segredo. Assim, a revista Time,
juntando-se à comemoração quando “a democracia irrompeu” na Nicarágua, resumiu-os
francamente: “arrasar a economia e promover uma longa e mortífera guerra por procuração até que
os nativos, movidos pela exaustão, resolvam derrubar eles próprios o governo indesejado”, com um
custo “mínimo” para os Estados Unidos, deixando às vítimas “pontes destroçadas, usinas sabotadas
e fazendas arruinadas”, e proporcionando ao candidato de Washington uma “plataforma
vencedora”, acabar com o “empobrecimento do povo da Nicarágua”, para não dizer o terror
permanente, que é melhor não mencionar. É verdade, é difícil classificar como “mínimo” o custo dos
nicaragüenses: Carothers observa que a conta “em termos per capita foi significativamente mais alta
do que o número de americanos mortos na Guerra Civil e em todas as guerras do século 20
juntas”.^48 O resultado foi Uma Vitória do Jogo Limpo Americano, exultava a manchete do New York
Times, deixando os americanos “Unidos na Alegria”, bem ao estilo da Albânia e da Coréia do Norte.
Os métodos dessa “era romântica” e a reação a eles nos círculos esclarecidos nos dizem
outras coisas mais sobre os princípios democráticos vitoriosos. Também lançam alguma luz sobre a
razão por que é uma “difícil tarefa” criar uma sociedade mais próspera e autônoma na Nicarágua. É
verdade que a execução da tarefa está em curso e com um certo sucesso para uma minoria
privilegiada, enquanto a maioria da população enfrenta o desastre social e econômico característico
das possessões do Ocidente^49. Vale observar que é esse exemplo que leva os editores da New
Republic a se autoproclamarem a “fonte de inspiração para o triunfo da democracia em nossa
época”, juntando-se ao coro dos entusiastas.
Aprendemos ainda mais sobre os princípios vitoriosos ao relembrar que essas mesmas figuras
representativas da vida intelectual-liberal haviam exigido que as guerras de Washington fossem
impiedosas, com apoio militar aos fascistas à moda latina... independentemente da quantidade de
mortos”, porque “há prioridades norte-americanas mais elevadas do que os direitos humanos
salvadorenhos”. Desenvolvendo o tema, Michael Kinsley, editor do New Republic, que representava a
esquerda na imprensa escrita e nos debates televisivos, alertava contra as críticas levianas à
política oficial norte-americana de atacar alvos civis indefesos. Essas operações terroristas
internacionais causam “enormes sofrimentos à população civil”, ele reconhecia, mas podem ser
“perfeitamente legítimas” se “a análise custo-benefício” mostrar que “a quantidade de sangue e
miséria invertidos” produz a “democracia”, tal como a definem os senhores do mundo. A opinião
esclarecida insiste em que o terror não é um valor em si mesmo, mas deve ser apreciado

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