Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

Além do Congresso, outro grupo desconsiderado foi à população. Fora o jornalismo de
negócios, não houve, até onde sei, cobertura da grande imprensa até meados de 1997 e muito
pouca desde então. Como já mencionado, o Miami Herald registrou o AMI em julho de 1997, dando
conta do entusiasmo e do envolvimento direto do mundo dos negócios. O Chicago Tribune publicou
uma reportagem em dezembro do mesmo ano, observando que “a questão não mereceu nenhuma
atenção pública ou debate político”, exceto no Canadá. Nos Estados Unidos, “essa obscuridade
parece deliberada”, relata o Tribune. “Fontes governamentais dizem que o governo... não está
interessado em fomentar mais discussões sobre a economia global”. Dependendo do estado de
ânimo do público, o segredo é a melhor política, que conta com a conivência do sistema de
informação.
O Newspaper of Record quebrou o silêncio poucos meses depois, publicando uma matéria
paga do Fórum Internacional sobre a Globalização contrária ao tratado. A matéria cita uma
manchete de Business Week, que descreve o AMI como um “explosivo acordo comercial de que
nunca se ouviu falar”. “O acordo... reescreveria as regras da propriedade no exterior – afetando
tudo, de fábricas a bens imóveis e até ações. Mas a maioria dos legisladores nunca ouviu falar do
Acordo Multilateral sobre o Investimento porque as conversações secretas do governo Clinton foram
levadas a cabo por debaixo do radar do Congresso” e a mídia se ateve à agenda da Casa Branca. Por
quê?, pergunta o Fórum Internacional, respondendo implicitamente com uma resenha dos aspectos
básicos do tratado.
Alguns dias depois (16 de fevereiro de 1998), a edição matinal do NPR trouxe um caderno
sobre o AMI. Uma semana mais tarde, o Christian Science Monitor publicou um artigo (magérrimo).
O New Republic já havia detectado a crescente preocupação do público com o AMI. A questão não
recebera uma cobertura adequada da parte de setores respeitáveis, concluiu The New Republic,
porque “a grande imprensa”, embora “se incline geralmente para a esquerda... se inclina ainda mais
profundamente para o internacionalismo”. A imprensa de esquerda não foi capaz, portanto, de
perceber a tempo a oposição do público ao Fast Track e não percebeu que os criadores de
problemas de sempre ‘já estão se preparando [para] a luta contra o AMI. A imprensa deveria encarar
mais seriamente a sua responsabilidade e lançar um ataque preventivo contra a “paranóia do AMI”
que “ricocheteou pela Internet” e chegou a provocar reuniões públicas. A simples ridicularização da
turma da terra arrasada e dos helicópteros negros” talvez não seja suficiente. O silêncio talvez não
seja a melhor atitude se os países ricos têm a intenção de “amarrar a liberalização da legislação
internacional sobre investimentos da mesma forma como o GATT normatizou a liberalização do
comércio”.
No dia 1º de abril de 1998 , o Washington Post levou a notícia ao público nacional por meio de
uma matéria assinada por Fred Hiatt, um de seus editorialistas. Ele fazia a irrisão ritual dos críticos
e da acusação de “segredo” – afinal de contas, o texto do acordo foi divulgado (ilicitamente) por
ativistas através da Internet. Tal como outros que descem a esse nível de apologética, Hiatt não tira
a conseqüência óbvia: a de que a mídia deveria sair de cena com dignidade. Suas importantes
testemunhas poderiam ser desmascaradas por qualquer um que se propusesse a fazer uma
pesquisa cuidadosa, ao mesmo tempo em que toda análise/comentário/discussão é declarada
irrelevante.
Hiatt escreve que o “AMI ainda não atraiu muita atenção em Washington” – particularmente a
do seu jornal – um ano passado da data originalmente prevista para a sua criação e três semanas

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