A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
124 / A loucura da razão econômica

No mercado de trabalho, o desemprego tecnológicamente induzido enfraquece
o poder de barganha dos trabalhadores. Expedientes de desqualificação [deskilling]
e homogeneização do processo de trabalho eliminam os poderes monopólicos que
derivam de habilidades de trabalho não replicáveis. John Stuart Mili considerava
“questionável que todas as invenções mecânicas já feitas tenham servido para aliviar
a faina diária de algum ser humano”. Para Marx, isso era mais do que evidente, pois
em seu entendimento o objetivo da maquinaria nunca foi aliviar a carga de trabalho,
e sim elevar a extração de lucro do trabalho20. Ocasionalmente, os capitalistas reco­
nhecem que a fantasia de controle total sobre a força de trabalho pela tecnologia das
máquinas é débil e voltam-se para formas organizacionais de cooperação, colabora­
ção, autonomia responsável, círculos de controle de qualidade, especialização flexí­
vel etc. O capital pode incorporar qualquer forma organizacional que os próprios
trabalhadores possam propor e moldá-la conforme sua própria finalidade, que é a
produção de mais-valor. O sonho se torna um pesadelo. Frankenstein está à solta,
HAL, o computador de 2001: uma odisséia no espaço, segue sua vontade própria, os
replicantes de Blade Runner buscam o poder e a perpetuação. Os poderes sombrios
do antivalor surgem das sombras para desafiar a autonomia dos trabalhadores.
Se o trabalho vivo é fonte de valor e lucro, substituí-lo por trabalho morto ou
robotizado não faz sentido nem político nem econômico. Para Marx, essa é uma
das contradições centrais do capitalismo. Ela mina sua capacidade de se manter
em trajetória de crescimento equilibrado. Mas também produz as consequências
indesejadas que Marx explicita nos Grundrisse:


à m edida que a grande indústria se desenvolve, a criação da riqueza efetiva passa a
depender menos do tempo de trabalho e do quantum de trabalho em pregado que do
poder dos agentes postos em m ovim ento durante o tempo de trabalho, poder que -
sua poderosa efetividade - , por sua vez, não tem nenhum a relação com o tem po de
trabalho im ediato que custa sua produção, mas que depende, ao contrário, do nível
geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação dessa ciência à produção.
(Por seu lado, o próprio desenvolvimento dessa ciência, especialm ente da ciência na­
tural e, com esta, todas as dem ais, está relacionado ao desenvolvimento da produção
m aterial.) [...] [O trabalhador] interpõe o processo natural, que ele converte em um
processo industrial, como m eio entre ele e a natureza inorgânica, da qual se assenhora.
Ele se coloca ao lado do processo de produção, em lugar de ser o seu agente principal.
Nessa transformação, o que aparece como a grande coluna de sustentação da produção
e da riqueza não é nem o trabalho im ediato que o próprio ser hum ano executa nem
o tempo que ele trabalha, mas a apropriação de sua própria força produtiva geral, sua

20 Karl Marx, O capital, Livro I, p. 445.

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