A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O capital / 43

epígrafe a este capítulo, Marx era bastante explícito quanto a esse procedimen­
to. Com isso em mente, consideremos as principais formas em que o valor e o
mais-valor são distribuídos entre os diversos requerentes, para além dos salários e
tributos que já consideramos.

a) A distribuição do valor entre capitalistas individuais


Capitalistas individuais são impelidos pelas forças do mercado a competir para
maximizar seu lucro. Consequentemente, a taxa de lucro tende a se equalizar. Is­
so produz um curioso efeito distributivo. O conjunto de mais-valor criado não é
distribuído entre os capitalistas individuais de acordo com o mais-valor produzido
por eles, e sim de acordo com o capital que eles adiantam. Marx se refere ironica­
mente a isso como “comunismo capitalista”, já que a redistribuição do mais-valor
entre os capitalistas individuais baseia-se no princípio “de cada capitalista segundo
o trabalho que emprega e a cada capitalista segundo o capital que adianta”7. As
razões técnicas por que isso ocorre são demasiadamente complicadas para nos de-
termos nelas aqui. Há consequências importantes. A redistribuição do mais-valor
acaba favorecendo indústrias capital-intensivas, que empregam menos trabalha­
dores, e penaliza indústrias trabalho-intensivas, que produzem efetivamente mais
mais-valor. Na ausência de qualquer tendência contrária, a base para a produção de
mais-valor (o emprego dos trabalhadores) tende a diminuir.
Se forem mantidas constantes a taxa de extração de mais-valor por trabalhador
e a força total de trabalho, o total de mais-valor disponível para distribuição cai.
A taxa de lucro tende a cair junto. O resultado é uma contradição crítica nas leis
de movimento do capital. Capitalistas individuais perseguindo seus interesses sob
condições de concorrência perfeita tendem a produzir um resultado que ameaça
a reprodução da classe capitalista. Isso ocorre não porque os capitalistas indivi­
duais sejam burros, gananciosos ou loucos, mas porque são conduzidos pela mão

7 Karl Marx e Friedrich Engels, Selected Correspondence (Moscou, Progress, 1955), p. 206. [Marx
alude aqui ao princípio “de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas neces­
sidades”, notoriamente citado em uma das raras ocasiões em que ele se pronuncia sobre como
seria uma sociedade comunista no texto Critica do programa de Gotha\ “Numa fase superior da
sociedade comunista, quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à
divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho intelectual e manual; quando o trabalho
tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital; quando,
juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos, suas forças produtivas também
tiverem crescido e todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em abundância, apenas então o
estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever
em sua bandeira: ‘De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades!’”
(trad. Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2012, p. 31-2). (N. T.)]
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