A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1

511A loucura da razão econômica


valor da moradia no mercado. A circulação de capital portador de juros estabelece
a harmonia da unidade contraditória de valorização e realização. Marx reconhece
claramente essa distinção. Os empréstimos para facilitar a valorização (ou seja, a
capitalistas industriais para montar a produção) são muito diferentes dos emprésti­
mos voltados para facilitar a realização (como o desconto de títulos de crédito, que
era um procedimento comum no tempo de Marx), ainda que sejam evidentemente
interligados.
Mas isso traz um perigo. A palavra em inglês foreclosure tem aqui um duplo
sentido muito conveniente. Se os consumidores não conseguirem pagar a hipo­
teca, perderão suas casas por foreclosure [execução hipotecária]; por outro lado, se
conseguirem, seu futuro estará em muitos sentidos foreclosed upon [encerrado ou
comprometido de antemão], porque estarão condenados a uma servidão por divida
de trinta anos. E claro que eles têm a liberdade de vender o imóvel a qualquer mo­
mento. Mas, se os preços caírem, eles podem se “afogar”, devendo mais pela casa
do que ela vale realmente. Além do mais, se venderem a casa para quitar a dívida,
terão de arranjar outro lugar para morar.
Essa é, a meu ver, a conclusão cabível para esse aspecto da circulação do capital
pelos mercados financeiros. Há obviamente muito mais a ser dito e muito mais
pesquisa a realizar, mas o ponto crítico são os papéis ativos que as diferentes for­
mas de distribuição desempenham na promoção da circulação futura de capital.
Nisso, o aspecto financeiro tem importância fundamental, pois lida diretamente
com o capital-dinheiro, o crédito e as formas fictícias do capital criadas no siste­
ma financeiro. Torna-se um dos motores mais persistentes da acumulação futura
pelo imperativo do resgate da dívida por meio da expansão da produção de valor.
A busca frenética por lucro se soma à necessidade frenética de quitar as dívidas.
Preferivelmente, a valorização realizará ambos os objetivos simultaneamente. A vi­
sualização do valor como capital em movimento precisa ser ajustada e modificada
em conformidade.


A TOTALIDADE DO CAPITAL

Em diversas ocasiões, Marx menciona sua ambição de retratar o capital como uma
totalidade. O mapa dos fluxos de capital que construímos aqui é uma maneira
simplificada de visualizar aquilo com que essa totalidade pode parecer-se. Cada
volume d’O capital oferece uma perspectiva definida da totalidade observada de
um ponto de vista particular. É como assistir a vídeos do que está acontecendo em
uma manifestação em praça pública (Tahrir ou Taksim, por exemplo) gravados
de três janelas diferentes. Cada vídeo contará uma história e será fiel apenas à sua
Free download pdf