A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O capital I 55

uma avaliação da probabilidade de as propostas políticas terem êxito. Dou um
exemplo simples.
Durante a campanha do Partido Democrata, Bernie Sanders insistiu muito pa­
ra incluir um salário mínimo de 15 dólares por hora como parte fundamental de
seu programa político. Em agosto de 2016, a coalizão em torno do movimento
Black Lives Matter publicou um documento que propunha um programa de renda
básica como proposta política fundamental (visando em primeiro lugar a popula­
ção negra, como parte de um pacote de reparação histórica). Em ambos os casos,
a ideia era que a qualidade de vida associada à reprodução da força de trabalho
poderia melhorar radicalmente por um aumento da demanda efetiva da população
empregada (Sanders) ou de todos os que tivessem sofrido historicamente com a
escravidão, empregados ou não (Black Lives Matter). Ambas as propostas aumen­
tavam o equivalente do salário monetário. Esse aumento efetivo da demanda deve­
ria significar um aumento também nos bens e serviços recebidos pelas populações
envolvidas. Mas tal impacto presume que nada aconteça na etapa da realização
para reduzir a possibilidade desse efeito. E, pela análise da circulação do capital,
sabemos que boa parte da apropriação de valor por meio de predação ocorre na
etapa da realização. Aumentar o salário mínimo ou criar uma renda básica terá um
efeito nulo se fundos hedge comprarem casas hipotecadas e patentes farmacêuticas
e aumentarem os preços (astronómicamente, em alguns casos) para garantir que
seus próprios bolsos não sejam afetados pelo aumento da demanda efetiva da po­
pulação. Mensalidades crescentes nas universidades, taxas usurárias em cartões de
crédito e toda sorte de cobranças ocultas em telefonia celular e seguros de saúde
poderiam acabar com os benefícios. Talvez fosse mais proveitoso para a população
uma rígida intervenção regulatória para controlar as despesas básicas e limitar a
extensa apropriação de riqueza que ocorre na etapa da realização. Não nos espanta
que os capitalistas de risco do Vale do Silício apoiem fortemente as propostas de
renda básica. Eles sabem que a tecnologia que desenvolvem está tirando milhões
de pessoas de seus empregos e que esses milhões de pessoas não formarão um
mercado para os seus produtos se não tiverem renda. Localizando essas propostas
na visualização oferecida aqui, podemos ver que barreiras a implementação pode
encontrar e que motivações ocultas podem estar em jogo. A visualização também
fornece um mapa das potenciais barreiras à continuidade da circulação de capital.
Ela mostra os pontos nos quais os bloqueios podem provocar crises. Cada ponto
de metamorfose do valor, por exemplo, é um possível local de formação de crises.
A visualização também lança uma luz interessante sobre as diferentes formas
de lutas sociais que possam reverberar sobre a totalidade. Lutas situadas na etapa
da valorização têm inevitavelmente um caráter de classe (amplamente conhecido
e teorizado). As da etapa da realização se concentram nas figuras do comprador e

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