Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

econõmicas e o ritual, outras vezes somente uma dessas atividades. As
vezes unicamente as competições esportivas. Estaríamos pOis em presen-
ça de tantas instituições diferentes quantas são as modalidades que se
podem distinguir. Lowie chega mesmo a tratar como verdadeiras "es-
pécies" independentes os sistemas de metades patrilineares e os sistemas
de metades matrilineares, os sistemas de metades exogãmicas e os sis-
temas de metades não-exogâmicas.' S
O mestre americano tem sem dúvida razão em atacar certos abusos.
Contudo, é preciso compreender a natureza deles. Olson e seus precur-
sores - principalmente perry" - cometeram um duplo engano. Defi-
niram a organização dualista segundo a forma mais complexa e mais
desenvolvida que a instituição é capaz de atingir; e todas as vezes que
observaram um esboço ou um embrião de dualismo interpretaram este
último como vestigio da forma complexa, cuja antiga presença ficava
assim demonstrada. Por esse modo de ver, e como jocosamente Lowie
um dia observou, a dualidade dos partidos políticos nos Estados Unidos
poderia ser a sobrevivência de uma antiga organização dualista, na qual
democratas e republicanos desempenhariam o papel das metades.


Mas se a organização dualista só excepcionalmente chega ao estágio
de instituição, prende-se, contudo, às mesmas raizes psicológicas e lógi-
cas que todas estas formas sumárias ou parciais, simples esboços às
vezes, que são, do mesmo modo que ela (embora nem sempre tão sis-
tematicamente), maneiras de estabelecer o princípio de reciprocidade. A
organização dualista não é pois primeiramente uma instituição. Se qui-
séssemos interpretá-la desta maneira seríamos condenados a procurar sem
esperança onde começa e onde acaba, e correríamos o risco de sermos
lançados no atomismo e no nominalismo de Lowie. É, antes de mais
nada, um princípio de organização, capaz de receber aplicações muito
diversas e sobretudo mais ou menos avançadas. Em certos casos o prin-
cípio aplica-se somente às competições esportivas, em outros estende-se
à vida politica (e a questão de saber se o sistema dos dois partidos
não constitui um esboço de dualismo pode ser colocada sem absurdo)
Em outros casos ainda aplica-se à vida religiosa e cerimonial. É pos-
sível, enfim, estendê-lo ao sistema do casamento
Entre todas estas for-
mas há diferenças de grau e não de natureza, de generalidade e não de
espécie. Para compreender sua base comull). é preciso invocar certas es-
truturas fundamentais do espírito humano e não esta ou aquela região
privilegiada do mundo ou período da história da civilização.


Apela-se para a ignorância em que nos encontramos sobre a origem,
a evolução e as formas de decomposição das organizações dualistas. Se-
ria preciso, contudo, para ousar afirmar seu valor funcional conhecer o
decreto que, em tal ou qual caso particular, as teria instituído? E in-
versamente a certeza de terem sofrido, em exemplos definidos, altera-
ções devidas a acontecimentos contingentes - guerras, migrações, lutas
internas, etc. - deve necessariamente levar à afirmação de sua origem
histórica? Os etnólogos norte-americanos deleitaram-se em mostrar como
interpretações demasiado teóricas malogram em face da verificação de



  1. R. H. Lowie, American Culture History. American Anthropologist, voI. 42, 1940.
    p. 427.

  2. W. J. Perry, The Children o/ the Sun, Londres 1925.


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