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tanto vítimas de uma ilusão subjetiva, que se reproduziria sem dúvida
para os adultos de qualquer cultura que comparasse suas próprias cri·
anças com adultos pertencentes a uma cultura diferente. O pensamento
da criança sendo menos especializado que o do adulto, oferece, com
efeito, sempre a este não somente a imagem de sua própria síntese,
mas também a de todas as que se podem realizar em outros lugares e
sob outras condições. Não é surpreendente que, nesse "panmorfismo",
as diferenças nos chamem a atenção mais do que as semelhanças, de
modo que, para uma sociedade qualquer, são sempre suas próprias cri·
anças que oferecem o ponto de comparação mais cômodo com os coso
tumes e as atitudes estrangeiras. Os costumes muito afastados dos nos·
sos aparecem-nos sempre, e muito normalmente, como pueris. Já mos-
tramos a razão deste preconceito, que aliás não mereceria este nome
senão na medida em que nos recusássemos a compreender que, por mo·
tivos também válidos, nossos próprios costumes devem manifestar·se com
a mesma aparência aos que os observam de fora.
As analogias entre o pensamento primitivo e o pensamento infantil
não se fundam portanto sobre um pretenso caráter arcaico do primeiro,
mas somente na diferença de extensão que faz do segundo uma espécie
de ponto de encontro, ou centro de dispersão, para todas as sínteses
culturais possíveis. Compreendemos melhor as estruturas fundamentais
das sociedades primitivas comparando·as com as atitudes sociais de nossas
próprias crianças. Mas os primitivos não deixam de empregar o mesmo
procedimento e de nos comparar com as crianças deles. É que, de fato,
as atitudes infantis oferecem, também para eles, a melhor introdução
ao conhecimento de instituições estrangeiras, cujas raízes se misturam,
somente nesse nível, com as suas próprias. Consideremos, por exemplo,
a seguinte observação, na qual vemos o índígena aplicar ao branco o
mesmo método de assimilação infantil, que empregamos tão freqüente·
mente com relação a ele:
"Na família Navaho a aprendizagem do ofício de tecelão ou de joa·
lheiro faz·se pelo exemplo. Para o jovem índígena, olhar é aprender ...
Daí a completa ausência je uma maneira de ser tão freqüente entre
nós, mesmo entre os adultos... refiro·me ao hábito de fazer perguntas
tais como ne isso, é para fazer o quê?" ou então "e depois disso, que
é que o senhor vai fazer?" Mais do que qualquer outro, este hábito
contribuiu para dar aos indígenas a estranha opinião que fazem ares·
peito dos brancos, porque o índio está penetrado da convicção de que
o branco é um pateta". ,,,
Para o primitivo as atitudes do civilizado correspondem pois ao que
chamaríamos atitudes infantis, exatamente pela mesma razão que nos
leva a achar em nossas próprias crianças esboços de atitudes que en·
contram na sociedade primitiva uma imagem completa e desenvolvida.
Vê-se, por conseguinte, a importância dos estudos de psicologia ínfantil
para o etnólogo. Tais estudos permitem·lhe ter acesso, em forma mais
fresca, a este capital comum de estruturas mentais e de esquemas ins·
titucionais que constituem o ínvestimento inicial de que o homem dis·
põe para lançar seus empreendimentos sociais. Que haja necessidade de
se situar neste nível muito elementar para penetrar a natureza de ins-
- G. A. Reichard, Navaho Religton .. 0' op. cit., voI. 4. p. 674.
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