Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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uma estrutura, e não depende de um caráter inato. "A troca dos presen-
tes (realizada por ocasião da periódica liquidação dos agravos entre Os
grupos) não é um negócio comercial, nem uma operação de mercado,
mas um meio de exprimir e cimentar a aliança". ,,, O gesto define seu
veiculo.
Mas este caráter aparentemente formal dos fenômenos de reciproci·
dade, expresso pela primazia das relações sobre os termos que unem, não
deve jamais faz~r esquecer que estes termos são seres humanos 7 que
estes seres humanos são indivíduos de sexos diferentes e que a relação
entre os sexos nunca é simétrica. O vício essencial da interpretação cri·
ticada nos parágrafos precedentes reside, segundo nossa opinião, no tra·
tamento puramente abstrato de problemas que não podem ser dissociados
no conteúdo. Ninguém tem o direito de fabricar à vontade classes uni·
lineares, porque a verdadeira questão consiste em saber se estas classes
existem ou não. Não se poderia atribuir·lhes gratuitamente um caráter
patrilinear ou matrilinear, a pretexto de que isso dá no mesmo para a
solução do problema considerado, sem pesquisar qual é efetivamente o
caso. Sobretudo, na elaboração de uma solução, não se pode substituir
grupos matrilineares por grupos patrilineares, e inversamente, porque,
deixando de lado o caráter comum de classes unilineares, as duas formas
não são equivalentes, exceto de um ponto de vista puramente formal.
Na sociedade humana não ocupam nem o mesmo lugar nem a mesma ca-
tegoria. Esquecer este aspecto seria desconhecer o fato fundamental de
serem os homens que trocam as mulheres, e não o contrário."
Este ponto, na aparência evidente, apresenta uma importância teó-
rica maior do que se pOderia crer. Em sua penetrante análise do buwa,
isto é, do costume de Triobriand segundo o qual um homem deve à
sua amante pequenos presentes, Malinowski observa que este costume
"implica que as relações sexuais constituem... um serviço prestado ao
homem pela mulher". Pergunta então qual é a razão de um uso que não
lhe parece "nem natural, nem evidente". Esperaria antes ver as relações
sexuais tratadas .. como uma troca de serviços em si mesmos recíproca".
E este funcionalista, cuja obra inteira proclama que tudo nas institui-
ções sociais corresponde a uma finalidade, conclui com singular levian-
dade: "É que o costume, arbitrário e inconseqüente neste caso, como em
outros, decide que se trata de um serviço prestado aos homens pelas
mulheres, e que os homens devem pagar para obter"." Será preciso,
portanto, defender os princípiOS do funcionalismo contra seu autor? Nem
nesse caso nem nos outros o costume é inconseqüente. Mas para com-
preendê-lo não devemos nos limitar a considerar o conteúdo aparente e
a expressão empírica. É preciso desentranhar o sistema de relações do
qual o costume manifesta somente o aspecto superficial.
Ora. as relações sexuais entre homem e mulher são um aspecto das
prestações totais, das quais o casamento oferece um exemplo, ao mesmo


  1. A. P. Elkin, op. cit., p. 197·198.

  2. [Seria possível, sem dúvida, invocar o exemplo de certas tribos do sudeste
    da Asia que oferecem uma imagem aproximada da situação inversa. Entretanto, não
    caberia dizer que, nessas sociedades, são as mulheres que trocam os homens, mas
    no máximo que os homens nessa sociedade trocam outros homens por meio de mu-
    lheres. Cf. mais adiante, p. 155].

  3. B. Malinowski, The Sexual Lile 01 Savages. ., voI. 2, p. 319.


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