Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

Assim. a maioria dos sistemas de parentesco das tribos sul·america~
nas que praticam o casamento entre primos cruzados estabelece a iden-
tificação entre os avós e os sogros Este uso explica-se facilmente pela
prática do casamento avuncular, a saber, quando uma moça se casa com
seu tio materno seus sogros e seus avós se confundem
Mas esta pers-
pectiva puramente feminina deveria, do ponto de vista masculino, acar-
retar simetricamente a assimilação dos sogros à irmã e ao cunhado Ora,
isso não acontece
Por um motivo que é possível interpretar de muitas
maneiras diferentes é a perspectiva feminina que se impôs ao grupo
Por outro lado, o casamento entre primos cruzados fundamenta um ter-
ceiro sistema de identificação, geralmente adotado, que agrupa o tio e
a tia cruzados sob a mesma denominação que o pai e a mãe do cônjuge

Os Nhambkwara dispõem de um único termo para o avô, o irmão
da mãe e o pai do cônjuge, e de um único termo para a avó, a irmã
do pai e a mãe do cônjuge Que se deve concluir dai? Certamente não
que o casamento avuncular seja na América do Sul mais antigo que o
casamento entre primos cruzados, ou o contrário, e sim que, segundo os
casOS e os grupos, foi esta ou aquela a solução possível para os conflitos
de denominação que venceu outras soluções igualmente aceitáveis
Talvez
seja preciso mesmo interpretar o acolhimento da perspectiva feminina,
que equipara os avós aos sogros, como uma reação da terminologia dos
primos cruzados sobre a do casamento avuncular. O status dos primos
cruzados e paralelos permanece intacto se transportarmos para a gera-
ção superior as desordens terminológicas que resultam do casamento
avuncular. Isto, porém, não aconteceria se esta terminologia assimétrica
estivesse em uso na geração em que relações reCíprocas ligam entre si
os cônjuges potenciais, os cunhados e as cunhadas. Se esta interpreta-
ção é exata, dai resulta que o sistema de denominação próprio do casa-
mento avuncular não somente nada prova em favor da prioridade desta
forma de casamento na América do Sul, mas traduz, por suas modalida-
des particulares, a existência de uma forma concomitante e oposta.
Mas a importãncia excepcional do casamento entre primos cruzados
não provém somente, segundo nosso modo de ver, da posição única que
ocupa na encruzilhada das instituições matrimoniais. Também não se li-
mita a este papel de "instituição que permite diferentes escolhas", gra-
ças ao qual este tipo de casamento estabelece uma conexão entre a
proibição do incesto e a organização dualista. O interesse do casamento
entre primos cruzados reside, sobretudo, no fato da divisão que esta-
belece entre cônjuges prescritos e cônjuges proibidos recortar uma ca-
tegoria de parentes que, do ponto de vista do grau de prOximidade bio-
lógica, são rigorosamente intercambiáveis Este ponto foi freqüentemente
invocado para provar que as proibições matrimoniais não têm nenhum
fundamento biológico, mas parece-nos que seu pleno alcance nunca foi
claramente percebido

Justamente porque abstrai do fator biológico, o casamento de primos
cruzados deve permitir não somente estabelecer a origem puramente so-
cial da proibição do incesto, mas também descobrir qual é a natureza
dela. Não basta repetir que a proibição do incesto não se funda em
razões biOlógicas. Em que razões se funda então? Esta é a verdadeira
questão, e enquanto não a tivermos respondido, não se poderá pretender
ter resolvido o problema. Ora, esta resposta é em geral muito difícil


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