Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

Tylor não procederam diferentemente quando, analisando o casamento
dos primos cruzados, quiseram ver nele um simples resíduo dos costu-
mes da exogamia e da organização dualista. Era preciso, ao contrário,
tratar o casamento dos primos cruzados, _ as regras da exogamia e a or-
ganização dualista como outros tantos exemplos de recorrência de uma
estrutura fundamental. Era preciso procurar interpretar esta estrutura
por seus caracteres globais, em lugar de desagregá-la em peças e peda-
ços, cuja justaposição pode depender de uma Interpretação histórica, mas
permanece desprovida de significação intrínseca. Era preciso, sobretudo,
perceber que, dos três tipos de instituições, é o casamento entre primos
cruzados que possui o maior valor significativo, valor que faz da análise
desta forma de casamento o verdadeiro experimentum crucis do estudo
das proibições matrimoniais.


Se o casamento entre primos cruzados não é conseqüência da or-
ganização dualista, qual é sua verdadeira origem? Swanton sugeriu que
esta origem pode encontrar·se no desejo de conservar no interior da
família os bens mais preciosos.· Mas como estender uma explicação desta
natureza, concebivel para as tribos da Colúmbia Britânica ou da índia, aos
bandos seminômades dos Nhambkwara do Brasil Ocidental, cujos mem-
bros são igualmente desprovidos de bens materiais e de prestigio social
para transmitir a seus descendentes? Alguns autores, é verdade, não vêem
razão para tratar como um único e mesmO fenômeno práticas matrimo-
niais que se verificam em sociedades profundamente diferentes. Assim
é que Lowie conclui sua análise por estas palavras: "O casamento de
primos cruzados, segundo toda probabilidade, é um fenômeno que não
evoluiu a partir de uma causa única, mas que se originou independen-
temente em pontos diversos e por motivos diferentes". S
Não haveria motivo para excluir a multiplicidade das origens se não
houvesse outra coisa, atrás da instituição dos primos cruzados, senão uma
forma altamente especializada de união preferencial, por exemplo, o ca-
samento de primos cruzados freqüentemente se encontra em forma de
união preferencial com a filha do tio materno. E não é certo a priori
que este tipo de união, em todos os lugares onde se encontra, deva ex-
plicar·se por uma causa única. Rivers explicou-o, de maneira plausível
mesmo que não seja indubitável, para as ilhas Bank, em forma de um
privilégio matrimonial em relação às moças do grupo transmitido ao
filho da irmã pelo irmão da mãe. De maneira plausível também, embora
igualmente incerta, Gifford explicou-o entre os Miwok como um privilé-
gio com relação à filha do irmão da mulher transmitido a seus filhos
pelo pai. Mas não é absolutamente assim que se propõe a questão. Ao
lado do casamento com a filha do irmão da mãe há - é verdade que
menos freqüentemente - o casamento com a filha da irmã do pai. Há
sobretudo, na grande maioria dos casos, o casamento com a filha da
irmã do pai, que é ao mesmo tempo a filha do irmão da mãe (quando



  1. R. J. swanton. Contribution to the Ethnology of the Haida, Memmrs 01 the
    American Museum of Natural History, vaI. 8, 1905-1909. No mesmo sentido: C. H.
    Wedgwood, artigo: Cousin Marriage, na Encyclopaedia Britannica. J. F. Richards, eross
    Cousin Marriage in South India. Man, voI. 14, n. 97, 1914.

  2. R. H. Lowie, Traité de sociologie pTimitive, op. cit., p. 43.


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