Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

de vista do sOciólogo, mas que podia ser o dos próprios indígenas. "li:
com todo direito que se emprega a palavra sistema para designar o
conjunto dos termos que servem para descrever as relações de paren·
tesco. Verificamos claramente que OS próprios maricopas concebem essas
relações em forma de um sistema bem definido". Acrescenta que sua
informadora "não precisava conhecer senão o sexo e a idade relativa dos
irmãos e irmãs a partir dos quais as linhagens deviam ser reconstrui·
das para fornecer, sem a menor hesitação, os termos empregados entre
qualquer par de parentes pertencentes às gerações seguintes, qualquer que
fosse o grau de afastamento". T
"De fato, ao menos em parte, é em forma de princípios teóricos
que os indigenas transportam o sistema das subsecções de uma tribo
para outra", diz Stanner a respeito dos Murinbata da Austrália. E acres·
centa: "quem põe em dúvida a capacidade dos indígenas para o racio-
cinio abstrato nunca os ouviu expor a seus companheiros o modo como
funcionam as ninipun (subsecções), aplicando deduções teóricas ao caso
considerado. Jl: desta maneira que uma abstração se transforma em rea·
lidade, em ser de carne e osso", O mesmo autor deu uma sugestiva desM
crição do modo como um complexo sistema de classes matrimoniais pode
ser tomado de empréstimo, e ensinado, em forma teórica: "A tribo con·
sidera um ou dois de seus membros mais inteligentes como peritos em
matéria de novas modas. Cada um deles é um viajante, que percorreu
em todas as direções os territórios situados além das fronteiras tribais,
às vezes até grandes distâncias. Seguiu cursos em tribos estrangeiras,
até ter aprendido perfeitamente os exemplos do mecanismo das subsec-
ções. Um deles descreveu-me um dia como tinha permanecido sentado, dia
após dia, sobre as ribanceiras infestadas de mosquitos do rio Victoria,
e como seus amigos Djamindjung o tinham instruido pacientemente ...
Seus professores tinham traçado sinais na areia ou indicado por meio de
pedaços de pau a subsecção de vários homens. Tinham-lhe apresentado
um determinado homem como seu kaka, outro como seu natan (irmão)
e uma mulher, cujo nome não devia nem mesmo ser sussurrado, era sua
pipi ninar. Cada um era esta ou aquela "pele", a qual por sua vez ge-
rava uma outra "pele". Foi assim que aprendeu. As novas fórmulas são
verdadeiramente um código de regras".·
O testemunho de Deacon contribui para colocar em evidência o cará·
ter teórico da concepção que os indigenas fazem de seu próprio sistema
matrimonial. Sua descrição é tanto mais significativa quanto o sistema
de seis classes de Ambrym, a que se refere, é um dos mais complexos
atualmente conhecidos.' Em duas ocasiões diferentes os indigenas deram
a Deacon uma demonstração fundada sobre o emprego de diagramas.
Uma vez um informador colocou nO chão três pedras brancas eqüidis-
tantes, cada qual representando uma linhagem ligada às outras duas por
uma relação de casamento unilateral. Outro informador desenhou no chão
três longas linhas (B, E, F), cada qual representando um homem de uma
das três linhagens.



  1. L. Spier, Yuman TTibe; of the Gila River, Chicago 1933, p. 209.

  2. W. E. H. Stanner, Murinbata Kinship and Toternism. Oceania, val. 7, n. 2, 1936-
    1937, p. 20285.

  3. o sistema de Ambrim será estudado e discutido em tun outro trabalho.


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