Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

excepcional, de certo modo na bifurcação que conduz a dois tipos extre-
moS de reciprocidade, a organização dualista e a proibição do incesto_
Mas nada absolutamente exige que este caso privilegiado tenha sido
o primeiro a aparecer, nem que se tenha realizado, num ou noutro mo-
mento, em toda parte. O fisico que formula uma lei sabe que ela não
será jamais rigorosamente verificada, exceto em seu laboratório, e que
a natureza só fornece ilustrações aproximadas dela. Neste ponto o so-
ciólogo é mais feliz que o físico, ocasião tão rara que seria um erro
senão tirasse dela o maior partido possível. Porque a experiência social
produz freqüentemente, em forma muito pura, o casamento dos primos
cruzados, e estes aparecimentos são tão numerosos que bastaria esta fre-
qüência para justificar a surpresa. Se o casamento dos primos cruzados
não tivesse sido praticado por nenhum povo da terra teria havido sem
dúvida maior dificuldade em determinar a lei de reciprocidade que se
encontra na origem das regras matrimoniais. Mas, supondo que se
tenha chegado até aí, não haveria nenhuma dificuldade em deduzir a priori
a fórmula do casamento dos primos cruzados, como sendo aquela que
fornece a expressão mais simplesmente concebível da lei. O fato dessa
fórmula não ter sido descoberta por nenhuma sociedade humana teria
sido facilmente explicado pelo fosso que separa a teoria da humilde
realidade, e ninguém chegaria a perguntar como populações grosseiras
e primitivas deixaram de conceber um método tão simples e ao mesmo
tempo tão exato. Sem dúvida, é possível admirar o grande número de
sociedades que chegaram a elaborar esta expressão rigorosa, mas não
espantar-se com o fato de outras não terem jamais conseguido fazê-lo.
A concepção que propomos apresenta a vantagem de explicar não
somente a dicotomia dos primos mas também todos os outros sistemas
de identificação ou de dissociação que habitualmente a acompanham. O
princípio de reciprocidade explica ao mesmo tempo a distinção dos tios
e das tias, dos primos e das primas, e finalmente dos sobrinhos e so-
brinhas em cruzados e paralelos, em lugar de interpretar - como somos
habitualmente obrigados a fazer - a dissociação que aparece na geração
precedente e na seguinte à do indivíduo como conseqüência da dissocia-
ção que realiza no interior de sua própria geração. De fato, o princípio
de reciprocidade atua simultaneamente nas três etapas. Consideremos pri-
meiramente a geração que precede a do sujeito. Na estrutura de reci-
procidade o irmão do pai ocupa a mesma posição que o pai (ambos ad-
quiriram esposas e cederam irmãs), e a irmã da mãe ocupa a mesma
posição que a mãe (ambas foram, ou podem ser, adquiridas como esposas
e cedidas como irmãs). Mas o irmão da mãe ocupa uma posição inversa
da posição da mãe, porque, qualquer que seja o sistema de filiação,
um é aquele que cede ou adquire e a outra é aquela que é adquirida
ou cedida. A relação é a mesma entre o pai e a irmã do pai (embora
não rigorosamente, conforme veremos em outro lugar). Retomando, por-
tanto, a fórmula da figura 6, é possível dizer que o sinal continua o
mesmo, quer seja um sinal (+) ou um sinal (-), ql.lando se passa do
pai ao irmão do pai ou da mãe à irmã da mãe I ao passo que o sinal
muda quandO se passa da mãe a seu irmão ou do pai a sua irmã. Os
primeiros são identificáveis em uma terminologia fundada num sistema


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