Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

lhado os sistemas australianos (e sem dúvida também muitos outros).
Atualmente, os Murimbata aplicam um sistema caracterizado pela divisão
em oito subsecções, grupos totêmicos matrilineares e o casamento pre-
ferencial com a filha do filho da irmã. Radcliffe·Brown considera esta
forma de casamento como uma particularidade própria da costa noroeste
da Austrália. ~2 Observaremos, no entanto, que coincide com as condi·
ções teóricas do casamento em sociedades de oito subsecções. Se minha
irmã casou·se de acordo com este tipo de casamento (isto é, na segunda
geração ascendente), minha esposa preferencial será ao mesmo tempo fi·
lha do filho de minha irmã e filha do filho do irmão da mãe do pai.
No que diz respeito aos Murimbata, contudo, Stanner mostrou que todo
o sistema foi tomado de empréstimo, e sua descrição da atmosfera psi·
cológica na qual evoluem sistemas que poderiam parecer puras abstra·
ções merece permanecer clássica.


As tribos que vivem nos bordos das organizações com subsecções
sofrem um sentimento de inferioridade por não terem subsecções e não
compreenderem seu mecanismo. A idéia de que se casam wadzi, .. incor·
retamente", implantou·se no espirito dos indígenas, e o imponente aparelho
das sUbsecções, das regras do casamento e das formas correspondentes
de totemismo aparece· lhes confusamente superior a seu sistema tradi·
cional. Os Murimbata e os Nanbiomeri admitem francamente que seu
novo sistema continua sendo ainda misterioso para eles. "As informa-
ções recentes são constantemente verificadas e corrigidas com base em
outras informações. Os indígenas que são mais ignorantes que os "chefes"
procuram desajeitadamente seguir os nulu totêmicos, que são matrili·
neares, em linha paterna, e têm também a tendência a pensar as sub·
secções em termos de filiação patrilinear indireta, em lugar de filiação
matrilinear indireta"." Os Murimbata principalmente têm dificuldade em
compreender que os totens nulu possam ser possuídos por membros
das duas metades patrilineares, teoria tomada dos Djamindjung durante
os últimos vinte anos. Um indígena, libertado da prisão e tendo voltado
ao seu grupo depois de uma ausência de dez anos, encontra-se em uma
situação quase patética. Não compreende nada da nova ordem, todo o
mecanismo dos nulu (totens) e dos ninipun (subsecções) lhe é incom·
preensível e por esta razão é ridicularizado pelos "jovens turcos" re-
formadores. E já, contudo, afirma·se a semelhança física entre os mem·
bras de um mesmo clã totêmico. 2i
O sistema primitivo" era do tipo Kariera, exceto o fato dos primos
cruzados verdadeiros serem considerados como cônjuges proibidos e cha-
mados "mãe" e "irmão da mãe". Os primos cruzados classificatórios
constituíam portanto os únicos cônjuges ortodoxos, e só eram reconheci-
das duas linhagens patrilineares, como no sistema Kariera, a do pai da
mãe (thamun) e a do pai do pai (kangul). O problema que se apresenta
aos indígenas é portanto o de fazer funcionar um sistema de oito classes,
acompanhado das regras matrimoniais e totêmicas concomitantes, em um



  1. A. R. Radcliffe Brown, op. cit., p. 53.

  2. W. E. H. Stanner, Murinbata Kinship and Totemism, op. cit., p. 186-196.

  3. lbid., p. 202.

  4. O leitor sem grande familiaridade com a teoria dos sistemas australianos fará
    bem em suspender o estudo do exemplo murimbata até que tenha terminado a
    leitura do capitulo.


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