sadas com dois homens que pertençam a gerações consecutivas (por
exemplo, o pai e o filho) podem, se descenderem de grupos "doadores"
diferentes, não ter entre si nenhum laço de parentesco. A regra é pois
muito maleável e as sociedades que a adotam não encontram dificuldade
séria em observá-Ia. Exceto casos excepcionais, fazem o que dizem dever
ser feito. Tal é a razão pela qual foi proposto chamar "prescritivo" este
sistema de casamento.
Em continuação a Needham, vários autores afirmam hoje que meu
livro só se ocupa dos sistemas prescritivos, ou mais exatamente (porque
basta percorrê-lo para se ter a certeza do contráriO), que tal deveria ter
sido minha intenção se não tivesse confundido as duas formas. Mas co-
mo, segundo os adeptos desta distinção, os sistemas prescritivos são pou-
co numerosos, o resultado, se tivessem razão, seria uma curiosa conse-
qüência: eu teria escrito um livro muito grosso que, desde 1952 (data
da publicação do trabalho de J. P. B. de Josselin de Jong, Lévi-Strauss's
Theory on Kinship and Marriage, Leiden 1952), despertou todo tipo de
comentários e discussões, quando se referia a fatos tão raros e se apli-
caria a um domínio tão limitado que de modo algum se compreende o
interesse que poderia oferecer para uma teoria geral do parentesco.
No entanto, a participação que Needham teve a amabilidade de exer-
cer na edição inglesa deste livro, e que cria um titulo a mais em minha
gratidão para com ele, mostra que não perdeu a seus olhos todo o
interesse teórico. Como isso teria sido possível se apenas discutisse ca-
sos isolados? Seria preciso então dar razão a Leach, quandO disse: Since
the "elementary structures" which he discusses are decidedly unusual they
seem to provide a rather flimsy base for a general theory, [Desde que
as "estruturas elementares" são decididamente raras parecem oferecer uma
base muito inconsistente para uma teoria geral: N. do A.] e quando fala
de splendid failure ["esplêndido malogro"] a este respeito. "Claude Lévi-
Strauss - Anthropologist and Philosopher", New Left Review, 34, 1965,
p. 20). Mas ao mesmo tempo fica-se perplexo diante dos motivos que
levaram os editores a republicarem, um em francês, outro em inglês, uma
obra que teria se encerrado com o insucesso, mesmo esplêndido, cerca
de vinte anos depois de seu primeiro aparecimento.
Ora, se empreguei indiferentemente as noções de preferência e de
obrigação, associando-as mesmo às vezes, conforme me foi objetado, na
mesma frase, é porque no meu modo de entender não denotam realidades
sociais diferentes, mas correspondem mais a maneiras pouco diferentes
que os homens adotam para pensar a mesma realidade. Definindo os
sistemas chamados prescritivos da maneira como acabamos de fazer, a
exemplo de seus inventores, a conclusão que se impõe é que por este
lado tais sistemas não prescreveriam grande coisa. Aqueles que os pra-
ticam sabem bem que o espírito desses sistemas não se reduz à propo-
sição tautológica segundo a qual cada grupo obtém suas mulheres de
"doadores" e dá suas filhas a "tomadores". Têm também consciência de
que o casamento com a prima cruzada matrilateral (filha do irmão da
mãe) oferece a mais simples ilustração da regra, a fórmula mais apro-
priada para garantir-lhe a perpetuação, ao passo que o casamento com
a prima cruzada patrilateral (filha dà irmã do pai) violaria a regra sem
apelo. Porque o sistema falaria em termOs de grau de parentesco, se
estivesse no caso ideal em que o númerO dos grupos que fazem trocas,
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